México será governado por uma mulher: Sheinbaum ou Gálvez?

Por Gerardo Villagrán del Corral

Tradução de Luís Branco

De forma inédita e num país machista, o México será governado por uma mulher no final do próximo ano, uma mudança extraordinária para o país.

Pela primeira vez, duas mulheres vão protagonizar a corrida presidencial no México: Claudia Sheinbaum, a candidata do Movimento de Regeneração Nacional (Morena), no poder, e Xóchitl Gálvez, a candidata da conservadora Frente Ampla para o México, que será a sua principal rival.

As eleições do próximo ano, que não só elegerão o presidente, mas também os membros do Congresso, também poderão determinar se o México está pronto a regressar a um sistema de um partido dominante semelhante ao que o país conheceu com o Partido Revolucionário Institucional (PRI), que já foi hegemónico e governou durante 71 anos ininterruptos até 2000.

Atualmente, o Morena governa em 23 dos 32 estados do México, um aumento em relação aos sete que o partido no poder controlava no início do mandato de seis anos em 2018.

A vitória de Sheinbaum, com quase 40 por cento dos votos nas sondagens do Morena, confirma que, pela primeira vez, duas mulheres vão disputar a presidência do México, uma vez que, no domingo passado, a senadora Xóchitl Gálvez foi aclamada como candidata de uma coligação de partidos da oposição de direita e, para já, não está à vista o surgimento de um terceiro candidato.

De forma inédita e num país machista, o México será governado por uma mulher no final do próximo ano, uma mudança extraordinária para o país. O atual presidente Andrés Manuel López Obrador insistiu que não terá qualquer influência após concluir o seu mandato. "Vou retirar-me completamente", disse em março. "Não sou um cacique, muito menos me sinto insubstituível; não sou um caudilho, não sou um messias".

Mas é certo que a sua influência irá continuar independentemente de quem ganhar a presidência em 2024. A sua base de seguidores é suficientemente grande e leal para lhe permitir exercer uma influência significativa e, se ganhar, Gálvez poderá enfrentar obstáculos com o legado da atual administração, caso procure inverter as suas políticas, como as medidas de austeridade ou o envolvimento do exército em tarefas sociais, de segurança e de infraestruturas.

No caso da Frente Amplio Va por México, uma coligação de direita entre o Partido Acción Nacional (PAN), o Partido Revolucionario Institucional (PRI) e o Partido de la Revolución Democrática (PRD), os resultados das sondagens deram luz verde à candidatura de Xóchitl Gálvez, após a desistência da candidatura da sua adversária, a senadora do PRI Beatriz Paredes.

Xochitl Gálvez, atualmente senadora pelo Partido Acción Nacional (PAN), de direita, ganhou destaque no cenário político por ter acusado o presidente Andrés Manuel López Obrador de fazer "uso ilegal", durante suas conferências matinais, das informações bancárias e fiscais de duas organizações das quais é proprietária. De raízes indígenas, origem humilde e atualmente empresária, Gálvez encarna o discurso meritocrático dos que conseguem ascender socialmente através do esforço pessoal.

Não tem uma grande trajetória política, mas entra em cena num momento em que pode atrair a atenção de certos sectores e vem revitalizar um partido tradicional, desgastado e que parecia não conseguir encontrar ninguém que pudesse fazer frente à retórica de transformação e de não retorno ao passado proposta pelo partido no poder.

Claudia Sheinbaum, ex-chefe de governo da Cidade do México, traz no seu histórico o facto de ter vencido um dos maiores distritos (com nove milhões de habitantes) e de ter ganho a candidatura presidencial do Morena, o partido fundado pelo Presidente Andrés Manuel López Obrador.

Na sondagem interna de Morena, a cientista venceu confortavelmente, com 39,4%, derrotando o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Marcelo Ebrard (25,6%); o ex-ministro do Interior Adán Augusto López (10%); o deputado Gerardo Fernández Noroña (12,2%); e os senadores Ricardo Monreal (6,5%) e Manuel Velasco (6,3%). Este processo, sem precedentes na história do México, gerou tensões quando Ebrard questionou a validade do processo e exigiu a sua repetição horas antes da proclamação da vencedora.

A polémica entre Ebrard e Sheinbaum representa um teste de unidade para o Morena, favorito para as eleições de 2024, maioritário no parlamento e partido do governo em 23 dos 32 estados do México. Muito popular, López Obrador vangloriou-se na terça-feira de não ter "inclinado a balança" a favor de nenhum candidato.

"A escolha a dedo acabou", disse López Obrador, referindo-se à nomeação do candidato presidencial. "No fim das contas, são os cidadãos que vão decidir, por isso tiveram em conta as minhas recomendações e tudo correu bem e espero que hoje quando anunciarem o resultado, eu fique a saber da mesma forma que vocês", acrescentou.

"Hoje venceu a democracia. Hoje, o povo do México decidiu", disse Sheinbaum, uma física de 61 anos com um doutoramento em engenharia ambiental, durante o anúncio, acrescentando que o seu partido, Morena, iria ganhar as eleições. "Amanhã começa o processo eleitoral", disse. "E não há um minuto a perder". Ela enfrentará a candidata da oposição unida Xóchitl Gálvez, que cresceu num ambiente marcado pela pobreza e mais tarde se tornou empresária do sector tecnológico.

Ambas as candidatas se apresentam como progressistas em questões sociais, embora não se identifiquem explicitamente como feministas; têm formação universitária em engenharia e afirmaram que irão manter os programas anti-pobreza amplamente populares da atual administração.

Sheinbaum deu a entender possíveis mudanças, mostrando o seu apoio às fontes de energia renováveis, enquanto Gálvez, que se desloca frequentemente pela capital mexicana numa bicicleta eléctrica, se concentrou em realçar o seu passado como filha de uma mãe mestiça e de um pai indígena Otomí. López Obrador fez dela a figura central de repetidos ataques verbais, aumentando a sua popularidade.

Ambas apoiam a despenalização do aborto, o que, no caso de Galvez, contrasta com a posição do seu partido conservador. O Supremo Tribunal despenalizou o aborto a nível federal na quarta-feira, uma decisão que se baseia numa sentença anterior que dá à administração pública autoridade para permitir o procedimento em todos os estados.

 

Gerardo Villagrán del Corral é antropólogo e economista mexicano, associado ao Centro Latinoamericano de Análisis Estratégico (CLAE). Artigo publicado no site do CLAE. Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net.