Via Opera Mundi
Desde 2014, bloco gasta mais energia para fechar as fronteiras e controlar a ação das organizações humanitárias em alto mar do que em resgatar barcos à deriva
Enquanto as equipes de resgate realizam uma grande operação de busca na costa da Grécia nesta quinta-feira (15/06), na esperança de encontrar sobreviventes do naufrágio que matou pelo menos 78 migrantes, as organizações humanitárias que atuam na região denunciam as falhas no sistema europeu para evitar tragédias como essa.
Centenas de vítimas podem estar desaparecidas depois que um barco pesqueiro, que poderia estar transportando mais de 700 pessoas, afundou a cerca de 80 quilômetros da cidade costeira de Pylos, no sul da Grécia. Foi o naufrágio mais trágico deste ano e um dos piores já registrados.
“O que sabemos é que o avião da Frontex [agência europeia de monitoramento das fronteiras] comunicou o alerta de emergência às autoridades marítimas italianas e gregas e nenhuma operação de salvamento foi lançada”, denunciou à RFI Louise Guillaumat, diretora-adjunta de operações da ONG SOS Meditarranée, alegando que a embarcação se encontrava em zonas internacionais de responsabilidade e salvamento gregas.
Guillaumat afirma que desde a crise dos migrantes na União Europeia (UE), em 2014, o bloco gastou mais energia para fechar as fronteiras e controlar a ação das organizações humanitárias em alto mar do que em resgatar barcos à deriva. “É uma vontade política e uma escolha política. Se quiséssemos colocar os navios que podem atender aos alertas e chegar a tempo, a UE teria evidentemente condições”, afirma.
“A solução para esse drama não se repetir é as autoridades marítimas retomarem as suas ações, respeitarem os direitos, fazerem aplicar os mecanismos de cooperação previstos pela lei e utilizarem o aparato de busca e salvamento adequado. Mas o que vimos, ao contrário, é que há anos a UE tem retirado os barcos de salvamento de Estado do Mediterrâneo e criminalizado os poucos barcos de ONGs que tentam salvar como podem alguns milhares de pessoas”, criticou a diretora-adjunta de operações.
Papa está ‘consternado’
O papa Francisco, muito sensível ao tema da migração, disse que está “profundamente consternado” com o naufrágio, informou o Vaticano na quinta-feira em um comunicado à imprensa. “Sua Santidade o papa Francisco envia suas sinceras orações pelos muitos migrantes que morreram, seus entes queridos e todos aqueles que ficaram traumatizados por esta tragédia”, diz o documento assinado pelo número 2 da Santa Sé, o cardeal Pietro Parolin.
Na madrugada desta quinta-feira, um navio da Guarda Costeira visitou a cidade portuária vizinha de Kalamata, para transferir as vítimas. Depois de uma contagem oficial, as autoridades revisaram o número de mortos em 78 depois de anunciar 79, e relataram 104 pessoas resgatadas.
O número exato de pessoas a bordo ainda não é conhecido, mas as autoridades verificam as declarações de uma organização europeia de ajuda de emergência, segundo a qual poderia haver 750 pessoas dentro do barco, de 20 a 30 metros de comprimento. Segundo a Organização Internacional para as Migrações (IOM), no máximo 400 pessoas estavam a bordo.
Assistência teria sido recusada
Conforme relatos de sobreviventes, uma maioria de mulheres e crianças estaria presente no porão do barco, que partiu do porto líbio de Tobruk, relataram o portal de notícias Proto Thema e a Skai TV. Os migrantes teriam recusado as ofertas de assistência das autoridades gregas.
“Era um barco de pesca cheio de gente que recusou nossa ajuda porque queria ir para a Itália”, alegou o porta-voz da guarda costeira Nikos Alexiou, ao canal Skai TV. “Ficamos ao lado do barco para o caso de ele precisar de nossa ajuda, que eles recusaram”, garantiu.
A operação de busca deve continuar pelo menos até sexta-feira de manhã, mas as chances de recuperar os destroços são baixas, segundo fontes do governo, porque a área em águas internacionais onde ocorreu o incidente é uma das mais profundas do Mediterrâneo.
Imagens aéreas divulgadas pela Guarda Costeira grega mostraram dezenas de pessoas nos conveses superiores do barco algumas horas antes do naufrágio.
A Alarm Phone, que opera uma rede de suporte transeuropeia para operações de resgate, disse ter recebido alertas de pessoas a bordo de um navio em apuros ao largo da costa da Grécia no final da tarde de terça-feira. A organização relatou que alertou as autoridades gregas e conversou com pessoas a bordo do navio, no qual estimou que havia até 750 pessoas. O capitão fugiu em um pequeno barco.
O motor do navio parou e o barco começou a balançar por volta das 2h da manhã de quarta-feira, antes de afundar, disseram as autoridades. A Grécia é uma das principais vias de acesso à União Europeia para refugiados e migrantes do Oriente Médio, Ásia e África.
Instabilidade política
O governo conservador que estava no poder no país até o mês passado assumiu uma posição mais dura sobre a imigração, construindo acampamentos fortificados e reforçando controles de fronteira. O governo interino grego, que assumiu em 21 maio até a realização de novas eleições em 25 de junho, decretou três dias de luto nacional.
A Líbia, que desfruta de pouca estabilidade e segurança desde a revolta contra o regime apoiada pela Otan em 2011, é um ponto de partida importante para quem busca chegar à Europa pelo mar. As redes de contrabando são administradas principalmente por facções militares que controlam áreas costeiras.
As Nações Unidas registraram mais de 20 mil mortes e desaparecidos no Mediterrâneo central desde 2014, no que se transformou na travessia mais perigosa do mundo para migrantes.