Neofascismo e Alterações Climáticas

Traduzido do original árabe publicado no Al-Quds al-Arabi em 1 de julho de 2025 para o blogue do autor.

O que leva os movimentos neofascistas a negarem a realidade cada vez mais evidente e, sobretudo, a oporem-se às políticas de combate às alterações climáticas que tentam mitigá-las e evitar o agravamento da catástrofe?

No momento em que uma onda de calor recorde envolve grande parte da Europa e da América do Norte, e à medida que as alterações climáticas e o aquecimento global - contra os quais os cientistas ambientais há muito alertam, apelando a uma ação urgente antes que seja tarde demais - se confirmam cada vez mais, neste momento alarmante para o futuro do planeta e dos seus habitantes humanos e animais, vale a pena perguntar o que leva os movimentos neofascistas a questionar, em diferentes graus, a realidade das alterações climáticas, ou pelo menos a sua ligação ao comportamento humano. Já observamos anteriormente que “o neofascismo está empurrando o mundo para o abismo com a hostilidade flagrante da maioria das suas facções às medidas ambientais indispensáveis, exacerbando assim o perigo ambiental, especialmente quando o neofascismo tomou as rédeas do poder sobre o povo mais poluidor do mundo proporcionalmente ao seu número, ou seja, o povo dos Estados Unidos”. (“A era do neofascismo e as suas caraterísticas distintivas”, Al-Quds Al-Arabi, 4 de fevereiro de 2025).

Este padrão de negação da gravidade das alterações climáticas não é natural nem intuitivamente compreensível, ao contrário de outras caraterísticas do neofascismo, como o nacionalismo, o etnicismo, o racismo, o sexismo e a extrema hostilidade aos valores sociais emancipatórios. O que leva, então, os movimentos neofascistas a negarem a realidade cada vez mais evidente e, sobretudo, a oporem-se às políticas de combate às alterações climáticas, numa tentativa de as mitigar e evitar o agravamento da catástrofe? Os investigadores identificaram três grandes fatores que explicam este padrão. Um está relacionado com o arsenal ideológico tradicional da extrema-direita, enquanto os outros dois estão relacionados com os dois pólos de classe que determinam o comportamento neofascista: a ampla base social e a estreita elite económica, cujo apoio procuram angariar.

O primeiro fator baseia-se no ultranacionalismo, que se reflecte frequentemente em políticas “soberanistas” e “isolacionistas” que rejeitam quaisquer acordos internacionais que limitem a liberdade do Estado-nação para determinar as suas políticas económicas e outras. Este comportamento atinge o seu nível mais absurdo quando vem do país com maior influência na definição de acordos e políticas internacionais, que são os Estados Unidos. Vimos como Donald Trump justificou a retirada de Washington dos Acordos Climáticos de Paris, como se estes resultassem de um conluio do resto do mundo para limitar a liberdade da América de desenvolver a sua economia, particularmente na exploração dos seus recursos naturais de combustíveis fósseis, ou seja, carvão, petróleo e gás. A rejeição neofascista dos acordos ambientais internacionais insere-se assim numa rejeição abrangente de quaisquer regras que, na perspetiva ultranacionalista, limitem a soberania nacional.

O segundo fator consiste em agradar aos sentimentos da base social cujo apoio eleitoral os neofascistas procuram obter. Exploram o descontentamento de algumas categorias com rendimentos mais baixos relativamente às mudanças de estilo de vida e aos custos necessários para combater as alterações climáticas. Este descontentamento é certamente ampliado quando os governos neoliberais procuram fazer com que as categorias com rendimentos modestos suportem o custo deste combate, em vez de impor este custo ao grande capital, o principal responsável pela poluição prejudicial ao ambiente. Um exemplo notável de tal esforço é o imposto adicional que o governo do Presidente francês Emmanuel Macron tentou impor em 2018 sobre o combustível para veículos, uma medida que teria atingido principalmente o grupo de utilizadores de automóveis das categorias mais baixas. Esta tentativa desencadeou uma das maiores ondas de protesto popular em França neste século, conhecida como o movimento dos Coletes Amarelos. Uma das exigências do movimento contra o governo era a imposição de um imposto sobre as maiores fortunas, em vez de um encargo adicional para um grande segmento da população.

Aqui chegamos ao terceiro fator que explica a posição neofascista sobre as alterações climáticas. Uma das caraterísticas bem conhecidas do velho fascismo é o facto de ter procurado obter o apoio do grande capital, apesar da sua retórica demagógica “populista”, que pretendia defender os interesses das classes sociais mais baixas e, nalguns casos, até reivindicar o “socialismo” - como no caso do nazismo alemão, cuja designação oficial tinha esse rótulo. O conluio entre os fascistas e o grande capital resultava, antes de mais, do receio deste último em relação à ascensão do movimento operário, com as suas alas social-democrata e comunista, no meio da crise económica vivida durante o período entre guerras do século passado - os anos da era fascista original.

Hoje, porém, com o movimento operário significativamente enfraquecido pela ofensiva neoliberal e pelas mudanças tecnológicas, a motivação do grande capital para se aliar aos movimentos neofascistas não é defensiva, mas ofensiva. Estamos perante um tipo de grande capital que procura proteger o seu crescimento monopolista à custa do pequeno e médio capital. Para isso, precisa de se livrar das restrições anteriormente impostas para limitar os monopólios, inspirado por um liberalismo económico empenhado em preservar a concorrência como o principal motor do desenvolvimento capitalista. Nesta perspetiva, as políticas ambientais são vistas como restrições impostas à liberdade do capital, uma liberdade que envolve uma contradição intrínseca, uma vez que a liberdade total e irrestrita conduz inevitavelmente ao aparecimento de monopólios que minam essa mesma liberdade.

O exemplo mais proeminente disto é Peter Thiel, um dos principais capitalistas norte-americanos e o principal proponente e apoiante do neofascismo entre eles. Thiel foi um dos mais fervorosos apoiantes da campanha presidencial de Donald Trump e é também conhecido por ser o padrinho político do vice-presidente J.D. Vance, o porta-voz quase oficial da ideologia neofascista na administração Trump. Thiel declara descaradamente a sua preferência pelos monopólios, argumentando que estes permitem um progresso tecnológico sem restrições através de um enriquecimento ilimitado, ao mesmo tempo que se opõe às políticas ambientais com o argumento de que estas limitam a concorrência internacional! Partilha este ponto de vista com os detentores de monopólios norte-americanos de tecnologias avançadas e das suas aplicações no comércio e nas redes sociais, que apoiaram a recente campanha de Trump e apostam nele para combater as restrições e os impostos que os governos europeus lhes querem impor. Trump colocou esta tarefa no topo da sua agenda na guerra comercial que declarou contra o resto do mundo.