Noboa promete mandato ‘sem revanchismos’ no Equador

 

O presidente mais jovem a ser eleito na história do Equador também será um daqueles com menos tempo para mostrar serviço. A partir da cerimônia de posse nesta última quinta-feira (23), Daniel Noboa, que faz 36 anos no próximo dia 30, terá apenas 16 meses de governo para tentar fazer alguma coisa. Inclusive pela pouca importância conferida a um mandatário-tampão, Noboa assumiu o poder em evento discreto, com poucos líderes internacionais presentes e a maior parte da América Latina já mais preocupada com outra posse, a de Javier Milei, eleito na Argentina no domingo (leia mais nos destaques da edição). Mas, se o governo será curto, nem por isso a missão se torna menos desafiadora. Descendente de uma família de magnatas da banana, sendo filho de um ex-político que tentou, sem sucesso, virar presidente em cinco oportunidades, ele agora recebe uma herança bem menos desejável: um país mergulhado em uma crise de segurança pública e marcado por disputas políticas que levaram à própria eleição extraordinária que Noboa venceu.

Tentando garantir governabilidade para esse período de transição, o governo Noboa já fez concessões aos seus ex-adversários de segundo turno antes mesmo da posse: na semana anterior, quando a Assembleia Nacional substituta (eleita junto com o presidente) tomou posse, a nova situação já havia anunciado um grande acordo nacional com representantes do Revolução Cidadã, o partido do ex-presidente Rafael Correa (2007-2017). Mesmo sem conseguir eleger como presidenta a ex-deputada Luisa González, que perdeu a votação para Noboa por uma estreita margem de menos de quatro pontos percentuais – numa proporção de 51,8% contra 48,2% dos votos, o aparente “teto” do correísmo na corrida pelo Executivo desde as eleições perdidas por eles em 2021 –, a esquerda vinculada a Correa conseguiu se manter com a maior bancada legislativa, fazendo 52 dos 137 assentos do Congresso unicameral.

O resultado, já se sabia de antemão, é que dificilmente Noboa conseguirá avançar qualquer pauta sem a anuência desses novos aliados de ocasião, que podem rapidamente se converter em opositores se o governo sair dos trilhos. Não à toa, o próprio presidente usou parte de seu breve discurso de posse para dizer que vai romper o “ciclo de revanches” políticas vividas no Equador, mesmo com sua família tendo sofrido “perseguições” de “diferentes governos” no passado.

Em diversas ocasiões durante a campanha, Noboa exaltou as qualidades de Correa como mandatário, disse que o considerava um “acadêmico” e comparou sua própria trajetória à do ex-presidente: “ganhamos nas mesmas províncias”, destacou após a vitória no primeiro turno, mas tomando distância das posições mais “extremistas” do líder político atualmente asilado na Bélgica.

Não é demais recapitular: a curta gestão de Daniel Noboa servirá apenas para cumprir o restante do período presidencial do agora ex-mandatário Guillermo Lasso (2021-2023), que deveria governar até maio de 2025, mas implodiu toda a política local no primeiro semestre ao usar o dispositivo da “morte cruzada”. Na época, colocado diante da perspectiva de sofrer um impeachment, Lasso se antecipou ao processo e usou de uma prerrogativa constitucional a partir da qual o presidente do Equador pode dissolver o Congresso, desde que pague o preço de entregar também o próprio cargo, com a convocação de eleições gerais extraordinárias em um prazo de seis meses.

Nessa transição, os grandes perdedores foram, além da própria direita mais vinculada a Lasso, os indígenas representados pelo partido Pachakutik, que dois anos antes haviam feito a maior representação de sua história (27 congressistas) e agora voltaram ao baixo patamar habitual (apenas quatro eleitos). Já para os correístas e para o Partido Social Cristão (PSC), as duas siglas que mais trabalharam pelo impeachment de Lasso, o processo antecipado rendeu frutos: mesmo sem conquistar o governo – o PSC perdeu ainda no primeiro turno, com Jan Topic, que chegou a ser apontado como possível surpresa, mas ficou em quarto lugar –, as duas siglas serão fiadoras da aliança de Noboa que, sozinho, tem apenas 14 legisladores. O PSC, embora também tenha um número modesto de deputados, garantiu uma influência maior no equilíbrio de forças ao encabeçar a direção do Congresso, com Henry Kronfle escolhido para presidir a Casa.

Prometendo evitar revanches, mas já de olho em uma nova candidatura em 2025, o jovem mandatário também se vê construindo seu castelo de cartas sobre uma aliança baseada mais na oposição a Lasso do que em uma coesão interna, com a clareza da grande e principal urgência que se desenha nesse nem um ano e meio de gestão: reduzir os índices de homicídios e crimes urbanos vinculados ao narcotráfico. Para isso, afirmou em sua curta fala, seu plano prioritário é criar empregos com “reformas urgentes”. Analistas consideraram o primeiro discurso do presidente mais focado em questões políticas do que nos temas substanciais para o país, por vezes inclusive parecendo justificar sua capacidade de governar mesmo sendo tão jovem. Mas, como deixou claro o quase septuagenário Lasso em seus anos de crise e impopularidade, ter muita ou pouca idade é um detalhe secundário para um país que só quer menos balaceras.