Peru, vaga presidencial?

Nilo Meza

 

Com quase 70 mortes nos protestos populares, a “vaga” não tem sido possível e nem será devido a uma dezena de ROLEX adquirida sem mortes, mas com muita corrupção – que tem gerado uma crise política. Saberá o Congresso que, ao proteger a usurpadora e sua corrupção, se agravará sua crise ética e moral?

Uma vaga presidencial é uma missão impossível quando aqueles que detêm esse poder são tão imorais e corruptos quanto a presidente que desejam destituir. Portanto, é uma utopia reacionária acreditar que desta vez haverá vaga. O Congresso está gangrenado por condutas que beiram a máfia e os assassinos, enquanto o Executivo é um empório de corrupção. São condições que garantem que o infame pacto entre estes dois poderes continue até 2026.

Todos os congressistas sabem, exalando uma unanimidade mafiosa, que Dina Boluarte não será desocupada por este Congresso. Pelo contrário, a blindagem será maior e mais firme porque a motivação o justifica: permanecer até 2026, ano em que serão realizadas eleições gerais, com uma coligação de extrema direita “devidamente organizada”, incluindo leis e regulamentos ad hoc que, ao subestimar a capacidade de discernimento dos eleitores, garantiria a vitória no próximo evento eleitoral.

A oposição a este rolo compressor de extrema direita é fraca e diversificada. Até o momento, embora os seus slogans de “deixar todos ir”, “eleições antecipadas” e “precariedade na ditadura parlamentar” devam ser eixos articuladores, a atomização e a animosidade entre eles é a sua principal característica. Muito pouco se pode esperar dos “esquerdistas” que preferiram fazer parte da festa reacionária, ou dos “centros” sempre dispostos a se colocarem a serviço do mais forte em troca de uma crosta. Não, infelizmente, não há esperança de uma oposição digna de apoio popular.

Por isso, as três propostas de vagas promovidas por esta “oposição” tornam-se motivo de ridículo da extrema direita, porque sabem que a “bravata de vaga” terminará na primeira oportunidade de votar a sua admissão ao debate. Mas, ó mediocridade, os signatários vão estufar o peito e erguer o queixo expressando que “apresentaram a Moção” mas, dada a correlação de forças, o seu destino foi a lata de lixo. Eles já sabiam disso, antes de redigir as moções em questão! Dirão que foi um gesto político digno, mas na realidade foi uma tentativa de reduzir o lixo e a podridão que partilham naquele complexo de ladrões e mafiosos.

Dentro desta oposição diversa, opaca e sem força capaz de alterar as atuais correlações sociais, podemos distinguir organizações de esquerda socialista que, apesar das suas fragilidades, revelam potencial para se tornarem o eixo de uma oposição política, ideológica e programática capaz de oferecer ao país um modelo econômico diferente do neoliberalismo, que se impõe com sangue e fogo. Esperemos que esta possibilidade se torne realidade em breve e seja a luz no fim do túnel escuro que o Peru atravessa.

 

Moções e argumentos
  • “Incapacidade imoral permanente” é o “argumento” mais recorrido nas três moções que pedem a vaga de Dina Boluarte. Só o fato de ser uma mitômana que renuncia à honestidade, uma mulher sedenta pela ostentação, bem como os seus caprichos de poder, tem posto a incapacidade em evidência. Mas aqueles que assinam as moções sabem perfeitamente que tal “aposta corajosa” não tem a menor chance de sucesso. Apesar disso, apresentam-na com a esperança de se distinguir da coligação de extrema direita que domina o Congresso e apoiará Boluarte.
  • O “enriquecimento ilícito” é o segundo argumento mais apelado. Também sendo verdade, o “Congresso dos Criminosos” não terá escrúpulos em rejeitá-lo, apesar das provas materiais desse enriquecimento. Os relógios e pulseiras ROLEX que atingem um valor aproximado de meio milhão de dólares, bem como contas bancárias com mais de 1,1 milhão de soles sem explicação, são provas contundentes do referido crime. Se a justiça fosse célere, Boluarte deveria estar a caminho da prisão. O Ministério Público, desafiando a proteção da coligação de extrema direita, iniciou um processo de investigação, incluindo uma busca em sua casa.
  • “Omissão na Declaração Juramentada” de rendimentos e bens que, por lei, todos os candidatos devem prestar perante o Júri Nacional Eleitoral e a Controladoria-Geral da República. Esta declaração deveria incluir, por exemplo, a aquisição do “antigo” ROLEX. Mas não o fez, apesar de seu alto valor.

Para incluir ao debate essas três moções, que serão acumuladas em uma, são necessários 52 votos (40% do número de parlamentares). Com a “confiança” que deram ao Executivo, esses votos se tornam inatingíveis. Seria uma utopia pensar que os que se opuseram à “confiança” (36) mais os que se abstiveram (17) se tornariam 53 votos aprovando a sua admissão ao debate. Nessa lógica utópica, as moções seguiriam para o Plenário, onde serão necessários 87 votos (2/3 do número de parlamentares) para aprovar a vaga. Esperar que este milagre aconteça é, no mínimo, uma utopia reacionária.

 

As Forças Armadas e policiais

Segundo a Constituição, ou seja, o que dela resta depois de ter sido liquidada pela coligação de extrema direita, as Forças Armadas e a Polícia não são deliberativas. Ou seja, elas não fazem política. Mas, como resultado da destruição das instituições nas quais o “Congresso dos Criminosos” está ocupado, agora as Forças Armadas e a Polícia podem fazer política abertamente. Por exemplo, dar apoio público ao presidente (31/03/24) sabendo que aquele comportamento seria impensável em tempos normais.

Quando os militares, com armas e tanques, apoiam uma democracia, é porque, na realidade, já não existe democracia. O que acontece nestas “democracias” é a sobrevivência de um governo sob tutela militar. No caso do Peru, não deveria surpreender que esta atitude das forças armadas esteja sendo apoiada pelo Comando Sul, uma vez que não permitirá o controle do governo por aqueles que reconhecem o anti-imperialismo e a soberania, mesmo que de forma morna. O trabalho policial do Tio Sam mostra a sua presença no Peru.