Porque paramos 

 

Traduzido de Jacobin Latinoamerica

Centenas de milhares de trabalhadores, nesta quarta-feira, abandonaram seus postos de trabalho. Desde professores e funcionários públicos, até trabalhadores ferroviários e servidores universitários, todos os setores da economia chegaram a um ponto de ruptura devido aos salários continuamente baixos, as necessidades básicas inacessíveis, o colapso dos serviços públicos e um governo que se nega a escutar as vozes daqueles que fazem funcionar o país. Eles chegaram a conclusão que a ação sindical é a única forma de provocar uma mudança, e estão fazendo isso com o maior número de pessoas paralisadas em uma década. 

Sua ação chega a um momento importante. A última legislação antigreve do governo foi aprovada em sua terceira leitura na Câmara dos Comuns na segunda-feira [01.02] à noite e, se for permitida que se converta em lei, poderia significar que os trabalhadores sejam despedidos por se negar a cruzas suas próprias linhas de piquetes e os sindicatos que os representam seriam processados e enviados para o esquecimento. 

Aqui, em suas próprias palavras, três trabalhadoras explicam o porque se somaram a greve e porque essa ação é vital não só para protege-los dos baixos salários e da crise do custo de vida, mas também para salvar os serviços do qual todos nós dependemos e para construir uma sociedade melhor. 

 

A professora 

Trabalho como professora de inglês em um instituto de Londres há dezoito anos. O trabalho mudou enormemente nesse tempo. A carga de trabalho vem aumentando ano após anos. As escolas respondem a pressão do Ofsted (Escritório de Normas de Educação, Serviços para a Infância e Competências) e há uma agenda de redução orçamentária que, na prática, significa pedir aos educadores que realizem tarefas burocráticas, levando-os para fora da sala de aula. 

O financiamento está em um momento horrível. As escolas não conseguem pagar as suas faturas de luz e gás, que em alguns casos estão subindo em 400%. Ademais, estamos enfrentando um verdadeiro problemas de contratação e retenção. Em Londres, um em cada três professoras abandona a profissão em cinco anos. Em um entorno de tanta pressão, é inevitável o esgotamento. Não há um orçamento público destinado a novas contratações. 

A realidade nas escolas é que as matérias não consideradas essenciais não são ensinadas. Na minha escola, por exemplo, uma disciplina como Ciências Empresariais já não é mais ensinada. Foram retiradas matérias do plano de estudos porque não há dinheiro suficiente para contratar pessoal. Os alunos tem um plano de estudos muito limitado e as escolas se centram cada vez mais nos exames. O resultado é simples, nossos filhos não recebem uma educação completa. 

O tamanho das turmas aumenta a cada ano. Um dos meus representantes me falou de uma classe colapsada, onde existem dois grupos em uma única turma: 45 alunos a cargo de um só professor. Isso supõe um aumento de 50% se comparado com uma turma típica de 30 alunos, e tudo porque não podem contratar um professor a mais. Os professores se veem obrigados a ir trabalhar quando estão doentes, porque não há nada que os proteja. 

Saem antes de suas casas e chegam mais tarde, trabalham nos fins de semana e até altas horas da noite. O pessoal de apoio é geralmente consciencioso e altruísta e por isso estão nessa profissão. Porém chega determinado momento em que os salários são tão baixos que pensam: por que trabalho 12 horas por dia? Não estaria melhor no setor privado? A crise do custo de vida é outra das razões pela qual os educadores abandonam a profissão em massa. Temos pessoal de apoio e professores que recorrem aos bancos de alimentos. 

Ouvi colegas falando de trazer comida para as crianças. Nós somos aqueles que estão aqui para os alunos, que lutamos por sua educação. Porém, esse governo não se interessa em absoluto em oferecê-la na qualidade em que as crianças merecem. Se houvesse um compromisso, não nos estariam dando míseros aumentos em escolas subfinanciadas. Inclusive há diretores de escola falando em greve. Estão preocupados em como vão conseguir dirigir suas escolas. 

Nos levaram a beira do abismo. Há muita raiva entre os educadores em nome das crianças que ensinamos. Isso se refletiu em nossa votação preliminar nacional. Obtivemos 62% de participação com 82% de votos afirmativos. Cada vez são mais professores que se dão conta de que só conseguirão melhores salários e condições de trabalho mediante a greve.  

E nesse conflito é fundamental que vejamos que não se trata só de uma questão salarial, senão do futuro da educação. O governo não só está afundando aos professores, como está roubando dos jovens o seu futuro. Se trata de defender o sistema de educação que tanto nos apaixona. Somos totalmente solidários com os sindicatos da educação. O sistema está quebrado e não temos escolha a não ser lutar por ele. 

Venda Premkumar 

 

A trabalhadora universitária 

Nossas aposentadorias vêm sofrendo constantes ataques nos últimos anos. Justo no começo da pandemia, quando os mercados financeiros entravam em crise, se levou a cabo uma elevação do regime de aposentadorias da Universities Superannuation Scheme Limited (USS).É claro, na época se apresentou um déficit. A USS utilizou isso para justificar um corte em nossas aposentadorias em cerca de 35%. O outro aumento, no início desse ano, mostrou que o sistema está agora em superávit, porém o representante dos empregadores universitários das Universities UK (UUK) se negaram a revogar os cortes. Antes desses cortes eu havia recebido 18.000 libras ao ano por jubilação. Agora serão 10.000 libras. Estes cortes afetam desproporcionalmente os trabalhadores das universidades mais recentes. 

O salário foi cortado,em números reais, em 25% desde 2009. Trabalho no ensino superior desde 2009 e me pagam 14.000 libras a menos do que deveriam e isso porque o salário não subiu nada em relação a inflação. Contudo, os vice-reitores são pagos com centenas de milhares de libras ao ano. As diferenças salariais por gênero, raça e deficiência são de 15%, 17% e 9% respectivamente. Nós exigimos que isso seja eliminado.  

Exigimos o fim dotrabalho precário. Os acadêmicos e os estudantes de doutorado muitas vezes se encontram em contratos temporários e enfrentam grande imprevisibilidade, que pode prolongar-se durante anos. De fato, eles não têm nenhuma seguridade. Não são pagos durante os meses do verão e quando chega setembro não sabem se tem trabalho ou não. Na semana passada falei com uma professora. Me surpreendi muito ao escutar sua história sobre como está sendo afetado seu custo de vida. Ela dizia que não pode mais sequer se permitir usar água quente todos os dias. Não esperava que uma professora universitária vivesse assim. 

A comercialização do ensino superior é um fator importante. As universidades se gestionam como empresas, para conseguir o maior número possível de estudantes. Isso se faz a custo de pessoal, que é solicitado cada vez mais e com cada vez menos recursos e apoio. Em nossa universidade, o principal motivo em que os trabalhadores requisitam ajuda ao sindicato é por estresse no trabalho. E esse número tem aumentado consideravelmente nos últimos anos. 

O Sindicato Nacional de Estudantes nos apoia. Uma pesquisa realizada no começo do ano revelou que a maioria dos estudantes nos apoia. Aqui é onde os estudantes e os trabalhadores tendem a estar unidos. Na minha universidade formamos estudantes para profissões como enfermagem, direito e jornalismo. E todos eles são setores que estamos vendo envolvidos em conflitos e que estão organizando ações sindicais. Essas lutas serão suas lutas no futuro. 

Rita Mahli  

 

A funcionária pública 

Os funcionários públicos tocam a vida de todos no Reino Unido. É muito gratificante saber que o que fazemos tem um impacto. O trabalho pode ser intelectualmente exigente e pode ser difícil desconectar quando não se está trabalhando. Na estrutura pública há uma grande variedade de funções e os postos podem ser difíceis. 

Quando recebemos nossa oferta salarial tomei um susto. Tirei um tempo para assimilar. O primeiro que pensei foi: como vou sobreviver? Como vou me permitir viver? Se levarmos em conta a velocidade que disparou e segue disparando a inflação, um aumento de dois pontos percentuais não servirá para nada. 

A crise do custo devida tem sido horrível. Na medida em que chegamos ao inverno, o estresse só aumenta. Em novembro eu ainda não havia ligado a calefação. Passam as semanas sem que eu ligue e sempre que ligo falo a mim mesma que não vou fazer novamente tão cedo. Com os preços do gás e da eletricidade, não é como vou conseguir. 

Me sento em casa com vários casacos e pares de meias calçados. Não acendo as luzes, a menos que seja absolutamente necessário e lavo todos os pratos com agua fria. É muito incomodo viver assim. É difícil quando você tem que fazer conceções apenas para poder chegar até o escritório para fazer o seu trabalho. Minha viagem de ida e volta é particularmente longa e cara. Eu tentei fazer as contas para ver se seria mais barato ir mais vezes para o escritório ao invés de usar a calefação em casa. Porém cheguei a conclusão que não posso me permitir a nenhuma das duas coisas. 

É difícil. Outro dia foi ao escritório e me dei conta que não havia levado almoço e tinha que comprar algo. Fui a loja e fiquei de pé no corredor. Eu olhei e pensei: isso é ridículo, não posso nem sequer me permitir a comprar um saco de batatas fritas. No fim tive que fazer das tripas coração e comprar um pacote de batatas fritas. É meu capricho do mês. E isso me dói o coração. 

Me dós o coração pelos meus colegas. Muitos deles tem que recorrer aos bancos de alimentos. Não podem pagar a viagem de ida e volta ao trabalho. Defendo firmemente pão para todos e também rosas, porém as rosas são as primeiras coisas a se perder quando se esforça para pagar o aluguel. Há pouco tempo ouvi uma companheira dizer que se quisesse botar comida na mesa não ia poder mais dar presentes de Natal para seus filhos 

As pessoas estão com raiva. Ninguém quer fazer greve, ninguém quer perder esse salário. É realmente o último recurso para proteger os nossos direitos. 

-Maia Khan