Jack Kellam e Miriam Salman*
De junho a dezembro do ano passado, quase 3000 trabalhadores britânicos de todos os setores da economia experimentaram uma semana de trabalho de quatro dias sem perdas salariais, no maior estudo piloto realizado no mundo até hoje.
Os resultados do estudo, publicados nesta semana, demonstram o impacto transformador da redução da jornada de trabalho na vida dos trabalhadores: menos estresse, menos problemas de sono, melhor conciliação entre a vida laboral e a familiar, e mais tempo para si próprios e para seus amigos e familiares.
A semana de quatro dias é popular, está comprovada e é boa para os trabalhadores. Beneficiaria o meio-ambiente e conta até com crescente respaldo pelas empresas. É hora de os políticos progressistas e do movimento dos trabalhadores colocarem a semana mais curta na agenda, para garantir que se siga reduzindo o tempo de trabalho em benefício de todos.
Mais saudáveis e felizes
Durante os seis meses do estudo, os trabalhadores de organizações que vão desde consultoras a associações habitacionais, passando por cervejarias e empresas de robótica, reduziram sua jornada de trabalho sem perder nada de seus salários. Ainda que a estrutura da semana de quatro dias variasse – algumas empresas optaram por um “dia livre” completo, outras por 32h durante cinco dias, etc –, nos resultados havia muito em comum.
Comparando os dados tomados antes e depois do período do estudo, os pesquisadores descobriram que as medidas de estresse, esgotamento e problemas de sono haviam diminuído, enquanto a satisfação vital e laboral havia aumentado e a saúde física e mental havia melhorado. Para os trabalhadores resultou ser mais fácil conciliar as responsabilidades do trabalho e as assistenciais, e inclusive se sentiam mais satisfeitos com a economia doméstica. Ao final do estudo, como era de se esperar, pelo menos 92% dos participantes queriam que se mantivesse a redução da jornada de trabalho.
Quase todos eles verão realizado seu desejo de que a semana de quatro dias se converta em uma nova normalidade: 56 das 61 empresas manterão a redução da jornada de trabalho, tendo comprovado seus próprios benefícios em uma maior retenção de pessoal, melhora da produtividade e aumento dos ganhos. Como resultado, milhares de trabalhadores terão agora um horário reduzido, sem perda de salário, e seguirão desfrutando de todas as melhoras concomitantes em termos de bem-estar e conciliação da vida laboral e familiar.
Cada vez mais provas
Na verdade, no projeto piloto sobre os benefícios da semana de quatro dias não há muito que já não tivesse sido trazido à luz no crescente número de projetos piloto que se estão levando a cabo em todo o mundo nos últimos anos. O uso de medições rigorosas do tipo “antes e depois” e de amplas entrevistas qualitativas no programa do Reino Unido pode significar que os defensores da redução da jornada de trabalho têm hoje mais força do que nunca, mas as evidências se acumulam já há um tempo.
Na Islândia, a redução da jornada de trabalho melhorou notavelmente o equilíbrio entre a vida laboral e pessoal dos participantes, enquanto em outro programa levado a cabo nos Estados Unidos, Irlanda e outros países se observaram quedas no estresse e na fadiga, além de melhoras na saúde física e mental. Na Microsoft Japão e na Unilever Nova Zelândia se observaram melhoras na produtividade com a jornada de trabalho mais curta, e o próprio Reino Unido conta agora com mais de 120 empresas “creditadas” com uma semana de trabalho de quatro dias.
A hora é agora
Com provas de estudos globais que demonstram os amplos benefícios para os trabalhadores, e com pesquisas de opinião que mostram que a popularidade dessa política está fora de qualquer dúvida, é surpreendente que a semana de quatro dias ainda não esteja assentada como uma reivindicação central dos políticos progressistas e os sindicatos do Reino Unido. Em meio a uma crescente maré de inseguridade, salários baixos e sobrecarga de trabalho, a campanha por uma semana de quatro dias conseguiu melhoras as condições de trabalho, aumentar em 20% o salário por hora e, mais importante, deu a milhares de trabalhadores de todo o país a sensação de que “outro lugar de trabalho é possível”. Se trata de vitórias enormes.
Nesse contexto, a resposta geral do progressismo parece decepcionante. Enquanto que, evidentemente, uma semana de quatro dias fez parte do manifesto do Partido Trabalhista do Reino Unido em 2019, e se manteve consistente nos programas dos Verdes do Reino Unido, agora é a política oficial de Plaid Cymru e continua costurando focos de apoio nos principais partidos do Reino Unido, em outros lugares essa política foi se estancando, enquanto o caso das horas mais curtas só fica mais forte.
Na Escócia, para frustração dos ativistas, o governo do SNP atrasou seu teste da semana de trabalho de quatro dias; enquanto no País de Gales, o governo trabalhista segue sem se pronunciar sobre os projetos piloto, “à espera dos resultados em outros lugares”, apesar dos chamados dos comitês do Senedd e do Comissário para as Gerações Futuras do país para que sejam respaldados os testes no setor público. O Partido Trabalhista britânico guarda silêncio por enquanto, apesar de muitos membros do Gabinete admitirem no privado que é algo que apoiam.
No entanto, a fraca resposta dos dirigentes do movimento dos trabalhadores é mais surpreendente, sobretudo se recordamos que, durante grande parte do século XX, a redução da jornada de trabalho foi a reivindicação número um dos sindicatos. O “fim de semana” só existe graças à luta dos sindicatos.
O UCU, respaldado pelo RMT e o CWU (que negociaram um acordo histórico de jornadas de trabalho mais curta para os trabalhadores dos correios em 2018), aprovou uma moção que pedia uma semana de quatro dias no Congresso do TUC em 2021, e o PCS Escócia, após uma pesquisa com o think tank Autonomy, fez da semana de 28h um componente chave de sua reivindicação salarial.
Ainda assim, o apoio à semana de quatro dias costuma ser muito mais cauteloso. Até certo ponto, é compreensível. Em uma situação de crise do custo de vida, a remuneração é considerada prioritária e, em se tratando de um movimento dirigido em grande medida pelas empresas até agora, às vezes se desconfia dos verdadeiros motivos de uma semana de quatro dias (“é uma tentativa de aumentar o controle sobre os trabalhadores?”), assim como de suas possíveis consequências imprevistas (desde o impacto na remuneração de férias até a preocupação de que os trabalhadores mais precarizados fiquem para trás).
São preocupações importantes, mas por isso mesmo o movimento sindical deveria liderar a luta pela semana de quatro dias, assegurando-se de que siga melhorando a vida dos trabalhadores. Nos próximos anos, cada vez mais empresas começarão a reduzir a jornada de trabalho, o que oferecerá aos sindicatos uma oportunidade crucial para ajudar a conseguir melhores condições para milhares de trabalhadores.
Da mesma maneira, ainda que o salário siga sendo a reivindicação principal, já que a renda diminui em meio à inflação, os problemas crônicos de esgotamento e de saúde derivados de jornadas de trabalho longas não vão desaparecer. Em muitas profissões, sobretudo entre os trabalhadores do setor público, como professores e médicos, o excesso de trabalho já é o principal problema. Como reivindicação central, a semana de quatro dias voltaria a pôr sobre a mesa o tempo de trabalho, conectando o movimento sindical com uma tendência já em curso de forma orgânica na sociedade.
As evidências estão postas, a popularidade cresce: agora é o momento de que os responsáveis políticos progressistas e os sindicatos lutem para dar forma a um futuro de quatro dias semanais.
*Jack Kellam é pesquisador do Autonomy. Miriam Salman é dirigente da 4 Day Week Campaign.