Por SETH ACKERMAN
Via Jacobin AL
Tradução: Radar Internacional
A realidade do capitalismo moderno é a instabilidade permanente, mas sem perspectiva de uma crise que ponha fim ao sistema.
A crise de 2008 ensinou ao mundo como o capitalismo submete a vida humana às forças do dinheiro melhor do que qualquer tratado marxista poderia ter ensinado.
A economia mundial recuperou um ritmo de crescimento sustentado, mas as cicatrizes psíquicas e sociais ainda não desapareceram. Em termos econômicos, os efeitos são permanentes: hoje, graças ao colapso, as famílias estadunidenses nascidas nos anos 1970 possuem 40% menos de riqueza do que as famílias nascidas do mesmo grupo etário há 30 anos. E as políticas da década intermediária seguem reverberando com as últimas palavras de Mohamed Bouazizi, o vendedor de rua tunisiano que se auto-imolou quinze meses depois do colapso do Lehman e desatou a Primavera árabe: Como pretendem que eu ganhe a vida?
Um fio vermelho vincula este terremoto com uma série de instabilidades subsequentes, que abarcam desde o Occupy (“Somos os 99%”) até o Oxi (Não!) grego, passando pelo levante de Jeremy Corbyn (“Para os muitos, não para os poucos”). Todavia, a supremacia política do capital permanece obstinadamente intacta.
Como diz Mike Beggs a propósito do falecido economista Hyman Minsky, a realidade do capitalismo moderno e a instabilidade permanente sem perspectiva de uma crise que ponha fim ao sistema. “O verdadeiro momento Minsky”, escreve, “e o resgate”. Mediante resgates de vários tipos, que abarcam desde resgates direto aos bancos centrais até os programas de compra de títulos dos bancos centrais, os gestores das crises não apenas estabilizaram o sistema, como também demonstraram sua infinita dependência da intervenção estatal. Neste sentido, feriram um golpe mortal as premissas ideológicas do capitalismo pós Guerra Fria.
Há quase vinte anos, Thomas Friedman, colunista do New York Times e bardo do neoliberalismo, falava com eloquência lírica sobre o que denominava “a camisa de força de ouro”, essa “vestimenta político-econômica que define esta época de globalização” e cuja “original costureira”, Margareth Thatcher, “passará para a história como uma das grandes revolucionárias da segunda metade do século XX”. Se um país quisesse colocar a camisa de força de ouro, deveria seguir as “regras de ouro”:
fazer do setor privado o principal motor de seu crescimento econômico, mantendo baixos níveis de inflação e estabilidade de preços, diminuir o tamanho de sua burocracia estatal, manter-se o mais próximo possível de um orçamento equilibrado, se não do superávit, eliminar e diminuir as tarifas dos produtos importados, eliminar as restrições aos investimentos estrangeiros, desfazer-se das cotas e dos monopólios nacionais, aumentar as importações, privatizar as indústrias e os serviços estatais, desregular os mercados de capital, tornar sua moeda conversível, abrir suas indústrias e mercados de ações e de bonificações a propriedade e ao investimento estrageiro direto, desregular sua economia para promover tanta concorrência nacional quanto for possível, eliminar na medida do possível a corrupção, os subsídios e os subornos do governo, abrir seus sistemas bancários e de telecomunicações a concorrência e a propriedade privada e permitir que seus cidadãos escolham entre um conjunto de alternativas de pensões privadas e fundos mutualistas de investimento.
Para Friedman, a camisa de força é de ouro porque “quanto mais ajustada, mais ouro produz”. Em contrapartida, os países que escolhem “desviar” desses dogmas veem “como seus investidores fogem em pânico, as taxas de juros crescem e o valor de suas ações cai”. Todavia, em 2008, quase todos os países que haviam adotado a panaceia de Friedman sofreram estas calamidades e outras piores. E, como observa Adam Tooze, a China, de cujo crescimento desmesurado depende fundamentalmente a recuperação mundial, desobedeceu quase todos os pontos do catecismo de Friedman, sobretudo os que prescrevem mercados de capital desregulados e moedas convertíveis.
Enquanto isso, os políticos europeus, desesperados por conservar a camisa de força thatcherista, voltaram para a fabricação de crises financeiras artificiais desenhadas para manter na linha países desobedientes como Grécia, cujo castigo exemplar gerou uma atmosfera de estabilidade sem ilusões similar ao do socialismo brezhneviano que sucedeu a Primavera de Praga.
Longe de um mero dispositivo de distribuição econômica, as finanças ficaram expostas como um sistema de controle político. Friedman foi bastante claro neste ponto:
Na frente política, a camisa de força de ouro reduz as alternativas políticas e econômicas dos que estão no poder para parâmetros relativamente ajustados. Por isso, hoje é cada vez mais difícil encontrar diferenças reais entre os partidos governantes e os opositores naqueles países que usam a camisa de força de ouro. Uma vez que o país aceita a camisa, suas alternativas políticas se reduzem a Pepsi ou Coca, matizes sutis de gosto, leves matizes políticos, pequenas modificações de desenho que pretendem levar em consideração as tradições locais, abrandando um pouco um ou outro ponto, sem nunca se desviar muito do núcleo das regras de ouro.
Agora que a competição entre Pepsi e Coca ameaça converter-se em uma competição entre as forças mortais de Olaf Scholz e Emmanuel Macron e o eixo sinistro de Viktor Orban e Jair Bolsonaro, não temos tempo a perder. Devemos deixar de lado a camisa de força de ouro de uma vez por todas.
As finanças são, de fato, um sistema de controle. Por isso devem estar sob supervisão de maiorias democráticas, devem ser amplamente socializadas, despojadas de todas as formas que favorecem os privilegiados e depuradas de seu enorme maquinário de desperdício social. O que subsistir depois de tudo isso deve ficar nas mãos de empregados estatais assalariados e deve ser administrado racionalmente em função do interesse público. Se aprendemos algo da última década e que um mundo repleto de camisas de força é um manicómio.
Editor executivo da Jacobin Magazine (EUA).