Via Esquerda.net
O Quadro de Coordenação, uma coligação de partidos xiitas conservadores, fez passar na generalidade no parlamento iraquiano na segunda-feira passada uma proposta de lei que pode abrir caminho ao casamento de crianças com apenas nove anos de idade.
A lei implicará que o casal se declare na altura do casamento xiita ou sunita, podendo o respetivo grupo religioso substituir o poder civil judiciário em “todos os assuntos de natureza pessoal”. Até seis depois da aprovação, autoridades xiitas e sunitas deverão apresentar os seus “códigos de regras legais”, ficando desde já estabelecido que o código xiita seguirá a “jurisprudência jafarita”.
Para além de ser criticado como uma forma de aumentar o sectarismo religioso, o princípio será uma forma de fazer regressar de outra forma a proposta que permitiria o casamento infantil e que nesta redação não está explícita, ao contrário de versões anteriores que foram muito criticadas. No país muitos casamentos não são legalizados perante o Estado, sendo conduzidos por figuras religiosas. Destes, calculam as Nações Unidas, 22% envolvem raparigas com menos de 14 anos. No total, de acordo com a UNICEF, 28% das iraquianas casam antes dos 18 anos. O objetivo da lei será legalizar estes casamentos e abrir caminho para mais.
Versões anteriores do projeto ultra-conservador incluíam ainda regras que impediam o casamento de muçulmanos com não-muçulmanos, legalizavam a violação no interior do casamento e proibiam as mulheres de sair de casa sem permissão do marido.
Mobilizações contra o obscurantismo
Na passada quinta-feira, houve protestos contra a lei em cidades como Bagdade, Bassorá, Dhi Qar, Babil, Diwaniyah, Kirkuk e Najaf. Foram organizados pela chamada Coligação 188, um grupo de ONGs, políticos e ativistas, que se opõem à revisão da Lei do Estatuto Pessoal, também conhecida como lei 188 que foi aprovada em 1959. Seguem-se a outra onda de mobilizações que aconteceu a 28 de julho.
A reportagem do Middle East Eye conta que na Praça Tahrir, em Bagdade, manifestantes traziam cartazes com palavras de ordem como “não ao casamento de menores” e “não sou uma escrava, sou livre”.
De acordo com Inas Jabbar, da Rede de Mulheres Iraquianas, estiveram presentes perto de 500 pessoas na capital do país e em Najaf a manifestação foi atacada por extremistas. A ativista diz que a lei em vigor é “uma das melhores leis da região” e que as alterações iam “fazer andar para trás séculos”. As autoridades religiosas poderão introduzir as regras mais conservadoras e, para além disso, segue-se “o caminho de abandonar a identidade nacional em nome de códigos sectários, o que ameaça o tecido social”.
Yanar Mohammed, presidente da Organização da Liberdade das Mulheres no Iraque, explica que “os tribunais civis que declaram o casamento e o divórcio podem tornar-se obsoletos e deixarão de defender os direitos das mulheres à pensão de alimentos, à custódia dos filhos ou a outros direitos”. A destacada jornalista acrescenta que para além da agenda conservadora, a apresentação da lei é um a manobra de distração dos fracassos governamentais, entre os quais a “enorme corrupção”.