Tribunal Internacional de Justiça decide que Estados têm obrigação legal de proteger clima

O parecer consultivo da instituição estabelece que não o fazer é “um ato internacionalmente ilícito” que pode levar a “consequências jurídicas” e aos Estados lesados terem direito a reparações pelos danos causados.

O Tribunal Internacional de Justiça emitiu esta quarta-feira um parecer consultivo que está a ser apresentado como “histórico” do ponto de vista do direito internacional e da justiça climática. Por unanimidade e “sem ambiguidade”, os 15 juízes da instituição sediada em Haia consideraram que “os Estados têm a obrigação legal de proteger o sistema climático das emissões antropogénicas de gases de efeito estufa”. Estas obrigações são descritas como “vinculativas” e “estritas”.

Desta forma, danos e falta de ação ou mesmo omissão em tomar medidas para proteger o clima “podem constituir um ato internacionalmente ilícito, potencialmente levando a consequências jurídicas para os Estados”. E os “Estados lesados” pelas alterações climáticas poderão exigir “reparação integral”, “sob a forma de restituição, indemnização ou satisfação”.

As “obrigações de resultados”, às quais são os países mais ricos que têm de responder em primeiro lugar, decorrem dos tratados internacionais relativos ao clima: a Convenção-quadro das Nações Unidas sobre alterações climáticas (1992), o protocolo de Quioto (1997) e o acordo de Paris (2015). e também são mencionadas outras regras do direito internacional, nomeadamente sobre direito marinho e biodiversidade.

A “sentença” vai mais longe e diz ainda que mesmo países que não assinem um dos tratados, como os EUA não o fazem em vários casos, são obrigados a cumprir estas obrigações. Isto vai contra a posição dos norte-americanos, mas também da China e pela Índia que, argumentavam que os tratados climáticos eram suficientes para definir obrigações nesta matéria e que descartavam responsabilidades diretas, escudando-se na tese da “pluralidade de contribuições” para a crise climática.

Na sua jurisdição, os países devem regulamentar emissões causadas por privados, afirma-se.

Coube ao juiz Yuji Iwasawa apresentar as conclusões do que ficou lavrado em 140 páginas, em que se destaca que as alterações climáticas são apresentadas como “uma ameaça urgente e existencial”. Este vincou que as emissões de gases com efeito de estufa são inequivocamente causadas por “atividades humanas” e têm consequências que ultrapassam as fronteiras nacionais e que há um direito humano a um ambiente limpo, saudável e sustentável.

O secretário-geral a ONU, António Guterres, divulgou uma nota a elogiar a decisão que considera que se trata de “uma vitória para o nosso planeta, para justiça climática e para o poder de jovens de fazer a diferença” porque clarifica que o direito internacional obriga os Estados a proteger o sistema climático.

Este parecer tinha sido solicitado a esta entidade pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 29 de março de 2023, na sequência de uma iniciativa de 27 estudantes desencadeada em 2019 e seguida depois pelo Vanuatu, o microestado insular que é um dos país mais diretamente afetados pelas alterações climáticas.

Teve como base a análise de dezenas de milhares de páginas de alegações escritas e orais, naquele que descrito como o maior caso da história do TIJ.

A ONU pretendia saber quais as obrigações dos Estados na garantia de proteção do sistema climático e do meio ambiente e que consequências jurídicas estes poderiam enfrentar no caso de prejuízos significativos aos Estado insulares que estão a ser mais ameaçados pelas alterações climáticas mas também a outros povos e indivíduos.

Apesar do caráter simbólico e inovador da tomada de decisão, estes pareceres consultivos, previstos no Artigo 96 da Carta das Nações Unidas, não são juridicamente vinculativos. Ainda assim, Ralph Regenvanu, o ministro do Clima de Vanuatu, foi um dos que utilizou a expressão “marco histórico” para descrever o sucedido. O seu país não quer ficar por aqui e anunciar que vai pedir que a Assembleia Geral da ONU adote uma resolução para que este parece seja aplicado.