Turquia, Síria, Irã, Iraque: guerra ilimitada contra os territórios curdos

Há alguns dias a Turquia tem feito ataques aéreos contra territórios curdos no nordeste da Síria. O Irã bombardeia assentamentos curdos no norte do Iraque. Por enquanto, nenhuma reação da OTAN ou da comunidade internacional.

Foto: Flickr

Anita Starosta

 

Mahabad, Kobane, Sul do Curdistão – as áreas curdas no Irã, norte da Síria e norte do Iraque estão sob cerco e bombardeios. Civis são mortos, a infraestrutura bombardeada, os direitos humanos sistematicamente violados. A população curda está exposta a uma ameaça existencial. Até agora, não houve nenhuma reação da OTAN ou da comunidade internacional para interromper a violência – mesmo o direito internacional da ONU parece vencido. Neste mundo em crise, o silêncio é mantido para não colocar em perigo as frágeis constelações de alianças. 

Em Mahabad, noroeste curdo do Irã, manifestações vem ocorrendo há semanas. Somente na última semana, polícia e militares iranianos marcharam com tanques e dispararam indiscriminadamente contra os manifestantes. O número exato de mortos ainda é desconhecido, uma vez que a cidade está sob um bloqueio militar e a internet asfixiada. Também no norte do Iraque o regime iraniano tem bombardeado assentamentos e sedes de partidos curdos do Irã, que há anos só podem operar a partir do exílio. Ao mesmo tempo, a Turquia realiza grandes ataques no nordeste da Síria. Foi apenas com a liberação russa e estadunidense do espaço aéreo que o presidente Erdogan pôde iniciar os ataques aéreos no último fim de semana. Desde então, os bombardeios têm continuado com caças, artilharia e drones atingindo alvos próximos à fronteira de Rojava. Até o momento, pelo menos onze civis já foram mortos. 

Era apenas uma questão de tempo para que as Forças Armadas turcas lançassem ataques ao território do governo autônomo no nordeste da Síria. Desde abril o presidente turco já anunciara o lançamento de uma nova ofensiva militar para o estabelecimento de uma “zona de segurança” na fronteira – como em 2019, quando centenas de milhares foram obrigados a fugir dos ataques turcos em outubro, e a área ao redor de Serekaniye foi posteriormente ocupada por milícias fundamentalistas islâmicas. Dezenas de milhares seguem, ainda hoje, em campos de refugiados. Os atores geopolíticos no território, Rússia e EUA, não tinham ainda dado luz verde para uma nova ofensiva terrestre. Agora Erdogan está melhor posicionado.

 

Erdogan ameaça ofensiva terrestre no nordeste da Síria

O atentado na rua Istiklal, em Istambul, serve de pretexto para os ataques atuais. Já no dia do atentado, Soylu, ministro do interior da Turquia, anunciou: “a ordem do ataque veio de Kobane” e responsabilizou o PKK e o PYD. Apesar do crescente número de inconsistências, falta de investigações de acordo com o Estado de direito e dúvidas consideráveis por parte de especialistas em segurança, Erdogan tem se agarrado a essa narrativa. Afinal de contas, as eleições parlamentares e presidenciais serão em junho de 2023 e as pesquisas apontam para uma queda profunda do AKP, devido à enorme crise econômica. Instrumentalizar ataques terroristas para a mobilização de uma unidade nacional tornou-se um método conhecido do governo do AKP. Especialmente quando se aproximam referendos ou eleições, a política de segurança se torna um veículo para mobilizar a população. Este é o caso no momento. Erdogan ameaça agora uma ofensiva terrestre no nordeste da Síria. 

Se isso acontecer, o futuro do governo democrático e autônomo é mais do que incerto, e a população enfrentaria a fuga e a expulsão de seus territórios. O ISIS também saberá como utilizar essa oportunidade em seu favor. O famigerado acampamento al-Hol está se preparando. Milhares de combatentes do ISIS, inclusive do exterior, estão em prisões da região. Manter esses locais sob controle no caso de um grande ataque será um enorme desafio. No passado, o ISIS usou exatamente esses momentos para organizar seu levante. É um barril de pólvora prestes a explodir, caso não haja apoio internacional. 

Também esta guerra precisa ser encerrada. Entretanto, para o governo turco não há por que temer uma intervenção de seus aliados da OTAN. Até agora, também o governo alemão tem sido excessivamente cauteloso. Não aproveitou a visita de Nancy Faeser, ministra do interior, ao seu homólogo turco para condenar o ataque que viola o direito internacional. Mais uma vez, fica claro que não se trata de “política externa feminista”, direitos humanos ou democracia, mas de geopolítica e luta pelo poder em uma nova ordem mundial que começa a tomar forma. Nesse sentido, o direito internacional há muito tempo se degenerou em apenas retórica.O