POR
PAUL MARTIAL
Via Esquerda.net
A vitória eleitoral da esquerda suscitou a esperança de uma rutura com as políticas de desigualdade que prevaleceram desde a independência do país.
As eleições no Botsuana, um país da África Austral com 2,6 milhões de habitantes situado acima da África do Sul, aconteceram em 30 de outubro. Inesperadamente, a oposição de esquerda obteve uma vitória esmagadora, obrigando a uma mudança de governo que não se via desde a independência do país em 1966.
Diamantes para alguns
Mais do que uma derrota, foi uma derrocada. A Umbrella for Democratic Change (Coligação para a Mudança Democrática) conquistou 36 lugares e obteve a maioria absoluta, com o seu líder Duma Boko a tornar-se Presidente da República. O Partido Democrático do Botsuana, o antigo partido no poder, ficou reduzido a quatro deputados. O Botsuana não deixou de fazer jus à sua reputação de país democrático, tendo Mokgweetsi Masisi, o Presidente cessante, reconhecido a sua derrota e manifestado empenho numa transferência de poder justa. Para o país, este é um acontecimento histórico que não pode ser explicado apenas pelo desgaste do poder.
A relativa prosperidade do Botsuana deve-se às suas minas de diamantes. O país é o segundo maior exportador mundial de diamantes, que representam 90% das suas exportações económicas. Masisi tem-se contentado em gerir esta riqueza sem nunca enveredar pela diversificação económica, numa altura em que a concorrência da produção de diamantes sintéticos, utilizados nomeadamente na indústria, é feroz. Esta crise só serviu para reforçar a elevada taxa de desemprego, sobretudo entre os jovens. A este quadro sombrio junta-se a deriva autoritária do poder, com uma elite dirigente profundamente dividida.
Miséria para os outros
A sondagem do Afrobarómetro revelou que uma grande maioria dos habitantes considera que o círculo do Presidente é corrupto e critica Masisi pelo seu nepotismo e desprezo pelo Parlamento.
O sistema eleitoral de escrutínio maioritário a uma só volta impunha que a oposição, tradicionalmente dividida, tivesse de se unir. A partir de 2012, formou-se a UDC, com a Frente Nacional do Botsuana como espinha dorsal, um partido que se reivindica social-democrata e do qual surgiu Duma Boko, os ganhos eleitorais regulares consagraram a perenidade desta unidade.
Os outros elementos decisivos são os temas sociais da campanha da UDC, que giram em torno do emprego dos jovens e, como salienta o meio de comunicação The Voice Botswana, “um sistema nacional de seguro de saúde que garanta a todos o acesso a cuidados de saúde de qualidade, pagos pelo governo e que lhes garanta uma vida e um sustento decentes”. Num país onde a prosperidade beneficia uma minoria, esta proposta acerta em cheio. O Botsuana tem quase 2.500 milionários e é considerado um dos países mais desiguais do mundo. O financiamento desta medida exigirá uma nova distribuição da riqueza em detrimento da elite rica do país. Estará a UDC disposta a fazê-lo? A mobilização popular será um fator decisivo para impor esta nova política social.
Paul Martial é editor do Afriques en Lutte.
Texto publicado originalmente no L’Anticapitaliste.