Rocio Paik
Via Opera Mundi
Apesar de simultâneas, as recentes visitas ao Texas realizadas pelo atual presidente norte-americano Joe Biden e por seu antecessor, o ex-mandatário Donald Trump, não são uma coincidência.
Os dois, provavelmente, serão adversários nas eleições presidenciais marcadas para novembro deste ano, repetindo o cenário da disputa de 2020, e observam o Texas como um bastião político importante. O estado fronteiriço com o México recebeu as duas figuras políticas na última semana de fevereiro. Trata-se de um dos pontos considerados mais críticos do país no que diz respeito à crise migratória dos Estados Unidos, ao ser uma das principais passagens para imigrantes que tentam ingressar no território norte-americano.
A travessia já foi alvo de decisões e decretos locais polêmicos. Em meados de 2023, por exemplo, o próprio governador texano, o republicano Greg Abbott, anunciou a instalação de uma barreira de boias no rio Grande, como forma de conter a “entrada irregular” de imigrantes no país.
“Os Estados Unidos são um país historicamente forjado pela imigração. Como os países ricos têm, geralmente, memória muito fraca para essas questões históricas, a imigração hoje em dia é vista como uma ameaça, através da criação das mais variadas teorias conspiratórias, principalmente em termos de segurança pública ou acesso a empregos e benefícios do bem-estar social”, apontou a Opera Mundi o professor de Direito Internacional da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), João Amorim.
De acordo com o especialista, os Estados Unidos têm sido um dos principais destinos da migração econômica desde os anos 1980. No entanto, nesses últimos cinco anos, o fluxo migratório apresentou um aumento considerável, especialmente por latino-americanos que saem de seus países em direção à fronteira sul norte-americana. Esse fenômeno é conhecido por muitos como a “Marcha da Miséria”.
A lógica pejorativa em relação ao ato da imigração é “muito mais ideológica do que social”, apontou o professor, sendo esse raciocínio nutrido pela “necessidade de produção do medo”, de forma que sirva como um “instrumento de controle sociopolítico”.
“A disputa eleitoral nos Estados Unidos não ocorre em um vácuo. Suas circunstâncias sofrem a influência das características dos tempos atuais, principalmente da realidade de uma mobilização e assanhamento globais da extrema-direita, e seus pilares de sustentação: o totalitarismo, o racismo e a xenofobia”, explicou Amorim.
O professor identifica que o problema está na manipulação da questão migratória, pela qual se fabricam narrativas motivadas por interesses políticos e econômicos de cunhos excludentes, racistas e incriminadores.
“O estrangeiro, até etimologicamente, está intimamente ligado ao não-pertencimento, à diferenciação. A obrigação das sociedades e do Estado é justamente criar condições sociais e políticas para que essas diferenciações, esse estranhamento, desapareçam. Principalmente em termos de aquisição e exercício de direitos”, elaborou o especialista. Nesse sentido, os dois prováveis candidatos às eleições presidenciais “buscam capitalizar e angariar votos através do aproveitamento desses discursos, sempre através de condicionantes paroquiais”.
“O que a xenofobia produz é a oportunidade de manipulação da opinião pública e da mobilização das massas sociais locais, direcionando-a a determinado objetivo político. A manutenção dos privilégios econômicos e sociais depende da produção e manipulação desses espectros desumanizados, e da figura do outro, do estranho, do estrangeiro”, concluiu Amorim.
As políticas migratórias de Biden e Trump
Na prática, a diferença em relação a como ambas as figuras lidam com a questão migratória é mínima.
Embora o governo Biden tenha tentado corrigir os “absurdos implementados pela gestão Trump”, os impeditivos muitas vezes se concentraram na estrutura federativa e administrativa do país, dispositivo que comanda “a ponta final da cadeia”. Somente em dezembro do ano passado, mais de 370 mil pessoas foram presas na fronteira dos Estados Unidos com o México, de acordo com Amorim.
“They came in illegally. They have to go out” (“Eles chegaram de forma ilegal. Eles devem ir embora.”). Essa fala foi feita por Donald Trump, em 2019, no penúltimo ano de seu mandato, antes de anunciar mais uma série expressiva de deportações.
A campanha eleitoral do republicano, que confrontava diretamente com a democrata Hillary Clinton nas eleições de 2016, era definida pelo caráter hostil em relação aos imigrantes, que chegavam a ser classificados como “criminosos”. Sua proposta principal era a de instalar um muro em toda a fronteira terrestre entre os Estados Unidos e o México, além de forçar as autoridades mexicanas a financiarem a própria barreira.
Quando conseguiu o cargo na Casa Branca, o político de extrema-direita prometeu deportar até três milhões de imigrantes indocumentados. No entanto, o resultado “inesperado”, segundo o órgão norte-americano Migration Policy Institute, foi que o número de deportações de seu primeiro ano como presidente permaneceu mais baixo em comparação ao mesmo período de mandato de seu antecessor, o democrata Barack Obama.
Nas eleições de 2020, entrou em cena Joe Biden, com a proposta de que iria “desfazer os danos causados por Trump e recuperar os valores da América”. O democrata prometeu uma “nação dos imigrantes” e passou a desenvolver uma força-tarefa estrategicamente “oposta” aos valores sustentados pelo seu adversário republicano, com uma política que defendia o conceito de migração mais “humanizada”.
A própria convocação de sua vice, Kamala Harris, uma mulher negra e filha de imigrantes – com pai jamaicano e mãe indiana – é um ponto significativo a ser levado em consideração, uma vez que sua figura sintoniza com as minorias políticas, sobretudo os imigrantes. “Muito embora, durante o governo BIden, ela tenha se omitido significativamente em relação às questões da pauta migratória”, acrescentou o professor da Unifesp.
Durante a campanha eleitoral, Biden bateu na tecla de uma política contrária à promovida por Trump, repudiando a criminalização da travessia de imigrantes pelas fronteiras norte-americanas. No entanto, os balanços mais atuais fazem sua narrativa entrar em contradição.
Segundo os dados publicados anualmente pelo órgão de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos, mais de 142 mil imigrantes foram deportados em 2023, o equivalente a quase o dobro do número do ano anterior.
O mesmo relatório apontou que 18 mil desses deportados eram pais e filhos que viajavam como unidades familiares, ultrapassando os quase 15 mil que foram expulsos durante o último ano da gestão Trump, em 2020.