A era do neofascismo e as suas características distintivas

Traduzido do original árabe publicado pelo Al-Quds al-Arabi em 4 de fevereiro de 2025 para inglês no blogue do autor. Via Esquerda.net

Esta é mais perigosa, em alguns aspetos, do que a era do fascismo. Mas a nova geração é o foco da nossa maior esperança e setores significativos dela revelaram rejeitar o racismo, como o manifestado na guerra genocida sionista em Gaza, e defender igualdade de todos os tipos de direitos, bem como, é claro, o meio ambiente.


A cada dia que passa e em ritmo acelerado nos últimos anos, torna-se cada vez mais óbvio que estamos testemunhando uma nova era de ascensão da extrema-direita em escala global, semelhante à era de ascensão das forças fascistas entre as duas guerras mundiais do século XX. O rótulo “neofascismo” tem sido usado para designar a extrema-direita contemporânea, que se adaptou ao nosso tempo, devido à sua consciência de que repetir o mesmo padrão fascista testemunhado no século passado não era mais possível, no sentido de que não era mais aceitável para a maioria das pessoas.

O neofascismo alega respeitar as regras básicas da democracia em vez de estabelecer uma ditadura nua e crua, como fez o seu antecessor, mesmo quando esvazia a democracia do seu conteúdo ao corroer as liberdades políticas reais em graus variados, dependendo do verdadeiro nível de popularidade de cada governante neofascista (e, portanto, da sua necessidade ou não de cometer fraude eleitoral) e do equilíbrio de poder entre ele e os seus oponentes. Existe hoje uma ampla gama de graus de tirania neofascista, desde a quase absoluta, no caso de Vladimir Putin, até a que ainda mantém um espaço de liberalismo político, como nos casos de Donald Trump e Narendra Modi.

O neofascismo difere dos regimes despóticos ou autoritários tradicionais (como o governo chinês ou a maioria dos regimes árabes) por se basear, como o fascismo do século passado, numa mobilização agressiva e militante deasua base popular numa base ideológica semelhante à que caracterizou o seu antecessor. Essa base inclui vários componentes do pensamento de extrema-direita: fanatismo nacionalista e étnico, xenofobia, racismo explícito, masculinidade assertiva e extrema hostilidade aos valores iluministas e emancipatórios.

Quanto às diferenças entre o antigo e o novo fascismo, as mais importantes são, em primeiro lugar, que o neofascismo não conta com as forças paramilitares que caracterizavam a versão antiga – não no sentido de que seja desprovido delas, mas as mantém num papel de reserva nos bastidores, quando estão presentes – e, em segundo lugar, que o neofascismo não afirma ser “socialista” como o seu antecessor. O seu programa não leva à expansão do aparato estatal e do seu papel económico, mas inspira-se no pensamento neoliberal no seu apelo para reduzir o papel económico do Estado em favor do capital privado. No entanto, a necessidade pode fazer com que ele siga na direção oposta, como é o caso do regime de Putin sob a pressão das exigências da guerra que ele lançou contra a Ucrânia.

Enquanto o fascismo do século XX cresceu no contexto da grave crise económica que se seguiu à Primeira Guerra Mundial e atingiu seu auge com a “Grande Depressão”, o neofascismo cresceu no contexto do agravamento da crise do neoliberalismo, especialmente após a “Grande Recessão” resultante da crise financeira de 2007-08. Enquanto o fascismo do século passado endossava as hostilidades nacionais e étnicas que prevaleciam no coração do continente europeu, tendo como pano de fundo as práticas racistas hediondas que estavam a ocorrer nos países colonizados, o neofascismo floresceu no esterco do ressentimento racista e xenófobo contra as ondas crescentes de imigração que acompanharam a globalização neoliberal ou resultaram das guerras que essa última alimentou, paralelamente com o colapso das regras do sistema internacional. Os Estados Unidos desempenharam o papel principal de impedir o desenvolvimento de um sistema internacional baseado em regras após o fim da Guerra Fria, mergulhando assim rapidamente o mundo numa nova Guerra Fria.

O neofascismo pode parecer menos perigoso do que seu antecessor porque não se baseia em aparências paramilitares e porque a dissuasão nuclear torna improvável uma nova guerra mundial (mas não impossível: a guerra da Ucrânia aproximou o mundo da possibilidade de uma nova guerra mundial mais do que qualquer outro evento desde a Segunda Guerra Mundial, mesmo no auge da Guerra Fria, na época da URSS). A verdade, entretanto, é que o neofascismo é mais perigoso em alguns aspetos do que o antigo. O fascismo do século XX baseou-se num triângulo de potências (Alemanha, Itália e Japão) que não tinha a capacidade objetiva de realizar o seu sonho de domínio mundial e foi confrontado por potências economicamente superiores a ele (Estados Unidos e Grã-Bretanha), além da União Soviética e do movimento comunista global (este último desempenhou um papel importante no confronto político e militar com o fascismo).

Quanto ao neofascismo, o seu domínio sobre o mundo está aumentando, impulsionado pelo retorno de Donald Trump à presidência dos EUA com uma roupagem muito mais alinhada ao neofascismo do que durante o seu primeiro mandato. Assim, a maior potência económica e militar do mundo é hoje a ponta de lança do neofascismo, com o qual convergem vários governos da Rússia, Índia, Israel, Argentina, Hungria e outros países, enquanto a possibilidade de partidos neofascistas chegarem ao poder nos principais países europeus (na França e na Alemanha, depois da Itália e até mesmo na Grã-Bretanha) surge no horizonte, sem mencionar os países menores da Europa Central e Oriental em particular.

Se é verdade que a possibilidade de uma nova guerra mundial continua limitada, o nosso mundo enfrenta algo não menos perigoso do que as duas guerras mundiais do século XX, ou seja, a mudança climática, que ameaça o futuro do planeta e da humanidade. O neofascismo está a empurrar o mundo para o abismo com a hostilidade flagrante da maioria das suas fações às medidas ambientais indispensáveis, exacerbando assim o perigo ambiental, especialmente quando o neofascismo tomou as rédeas do poder sobre as pessoas mais poluidoras do mundo proporcionalmente ao seu número, ou seja, o povo dos Estados Unidos.

Não há equivalente no mundo de hoje ao que foi o movimento dos trabalhadores com as suas alas socialistas e comunistas após a Primeira Guerra Mundial. Em vez disso, as forças de esquerda estão a sofrer atrofia na maioria dos países, depois da maioria delas se ter fundido no cadinho do neoliberalismo a ponto de não mais constituir uma alternativa ao status quo aos olhos da sociedade. Ou então, são incapazes de se adaptar às exigências de nossa era, reproduzindo as falhas da esquerda do século XX que levaram à sua falência histórica. Tudo o que foi dito acima nos faz afirmar que a era do neofascismo é mais perigosa, em alguns aspetos, do que a era do antigo. A nova geração continua a ser o foco da nossa maior esperança e setores significativos dela revelaram a sua rejeição ao racismo, como o manifestado na guerra genocida sionista em Gaza, e a sua defesa da igualdade de todos os tipos de direitos, bem como, é claro, a sua defesa do meio ambiente.

Face à ascensão global do neofascismo, há uma necessidade vital e urgente de enfrentá-lo, reunindo as mais amplas alianças ad hoc em defesa da democracia, do meio ambiente e dos direitos de género e dos migrantes, com a variedade de forças que abraçam esses objetivos, ao mesmo tempo em que se trabalha para reconstruir uma corrente global que se oponha ao neoliberalismo e defenda o interesse público em face do domínio dos interesses privados.