POR PAUL MARTIAL
Via Esquerda.net
Não se pode excluir o risco de o conflito no Congo se alastrar. Há condenações da intervenção de Ruanda mas o fato é que os grandes países capitalistas querem as riquezas das minas da região.
As Nações Unidas estabeleceram um novo número de mortos após a tomada de Goma, a capital regional do Kivu do Norte na República Democrática do Congo (RDC), pelo grupo armado M23 apoiado pelas tropas ruandesas. Já foram registadas cerca de 3.000 mortes.
Apesar do anúncio de uma trégua unilateral pelo M23, este continua a avançar em direção ao Kivu Sul. Uma intensa batalha teve lugar em Nyiabibwe, a 70 quilómetros da capital regional, Bukavu. As forças armadas da RDC serão reforçadas pelas do Burundi, que enviou mais de 10.000 homens.
Condenação formal
A violência foi documentada numa grande cidade como Goma, mas esses relatos deixam de lado os muitos crimes de guerra cometidos pelo M23 contra os habitantes das aldeias ao longo do seu caminho de conquista. A desaprovação da intervenção ruandesa na RDC é quase unânime. Por outro lado, estão surgindo divisões quanto às sanções a adotar.
A China, tradicionalmente reservada quando se trata de tomar posição sobre os conflitos em África, tomou posição a favor da exigência de que Ruanda e o M23 se retirem dos territórios conquistados. A China explora 70% das minas do país e está preocupada com os seus interesses económicos. Ao mesmo tempo, Ruanda continua a ser um excelente cliente no sector das infraestruturas.
Para a Europa, o mal-estar é palpável. A UE assinou um acordo comercial sobre minerais raros com Ruanda, sabendo perfeitamente que três quartos desta produção provêm da pilhagem de minas na RDC. Quanto à França, depende das tropas ruandesas para proteger as suas instalações petrolíferas, nomeadamente as da TotalEnergies na região de Cabo Delgado, em Moçambique.
Resultado decepcionante para a RDC
A Tanzânia acolheu uma cúpula que reuniu os dois organismos regionais que representam a África Central (EAC) e a África Austral (SADC). Os dois organismos apelaram a um cessar-fogo imediato para operações humanitárias. Além disso, fundiram as suas atividades de mediação da paz.
Outra decisão foi a de organizar um plano de segurança para o cessar-fogo nos próximos dias. Na ausência de informações mais precisas, as interpretações divergem. Para Kinshasa, o plano implica a saída das tropas do M23 de Goma.
Por fim, a cúpula apela à abertura de negociações diretas entre a RDC e o M23, o que o Presidente congolês Tshisekedi sempre recusou. Tendo em conta a relação de forças, parece que já não tem outra alternativa, tanto mais que os líderes religiosos da RDC se manifestaram a favor do diálogo com o grupo armado.
Embora a EAC e a SADC tenham prometido o seu apoio à soberania e à integridade territorial da RDC, não apelaram à retirada das tropas ruandesas.
Reconstrução regional
Mesmo que o cessar-fogo proposto se concretize, é pouco provável que a RDC regresse à sua situação anterior. A intervenção do Ruanda permitiu-lhe deitar a mão a importantes recursos mineiros que, para além dos ganhos financeiros, reforçam a sua posição como fornecedor de matérias-primas para a transição energética nos países ricos. Esta intervenção abriu também novas oportunidades para vários países na RDC, que o Uganda e a Tanzânia tencionam aproveitar ao máximo. Mas também suscitou preocupações. O Burundi, que há muito se opõe ao Ruanda, vê com maus olhos o facto de as tropas aliadas de Kigali estarem estacionadas no Kivu do Sul, perto da sua fronteira.
Infelizmente, não se pode excluir o risco de o conflito alastrar, como aconteceu na RDC no final da década de 1990.
Embora a violação da soberania da RDC pelo Ruanda deva ser condenada, o facto é que os grandes países capitalistas continuam a lucrar com as riquezas do Congo, deixando os países da África Central a lutar pelas migalhas.
Publicado originalmente no L’Anticapitaliste.