David Cavalcante, publicado originalmente em Esquerda Online
O atual governo equatoriano, liderado pelo banqueiro e magnata Guillermo Lasso, que venceu as últimas eleições presidenciais, em abril de 2021, se beneficiando do equívoco gigante do chamado sectário ao voto nulo no 2o turno, promovido pelo partido Pachakutik e seus satélites, desta vez não pode escapar da oposição retumbante vinda das urnas. Neste domingo, 5 de fevereiro, ocorreu as eleições provinciais e municipais equatorianas, além da votação de consulta popular oficial promovida pelo governo sob controle e organização do Conselho Nacional Eleitoral daquele país.
A Consulta Popular, na forma de plebiscito (SIM ou NÃO), tinha 8 perguntas na cédula nacional e submeteu ao voto direto temas importantes que poderiam mudar artigos constitucionais. Vejamos quais os conteúdos:
1) Permissão para extradição de equatorianos que cometerem delitos relacionados com o crime organizado transnacional (a Constituição equatoriana proíbe a extradição de nacionais por ter como um dos seus eixos a valorização de sua soberania);
2) Emendar a Constituição para permitir ao Ministério Público que este órgão avalie, promova, capacite e sancione seus servidores (atualmente que tem essa prerrogativa é o Conselho da Judicatura, órgão previsto na Constituição, justamente para evitar o corporativismo interno);
3) Diminuição da quantidade de parlamentares da Assembleia Nacional, através de critérios numéricos para uma maior quantidade de eleitores alcançarem a representação popular (atualmente a Assembleia Nacional é composta por 137 representantes eleitos pelo voto direto do povo, tal critério iria enfraquecer a representação parlamentar de 9 províncias das regiões serrana e amazônica);
4) Emendar a Constituição para obrigar os partidos e movimentos políticos a alcançarem e manterem pelo menos 1,5% dos eleitores como filiados perante o Conselho Nacional Eleitoral, nas circunscrições como critério de legalização;
5) Transferir prerrogativas para a Assembleia Nacional de designação de cargos públicos de 77 autoridades que atualmente são designadas pelo CPCCS (Conselho de Participação Cidadã e Controle Social, estabelecido pela Constituição de 2008) tornando funções do Ministério Público, da Controladoria e do Conselho da Judicatura mais influenciáveis por indicações políticas, o que beneficiaria o atual governo;
6) Mudar os critérios de escolha do CPCCS, que atualmente é eleito pelo voto popular, para ser escolhido pela Assembleia Nacional tornando-o mais controlável pelo governo e partidos;
7) Incorporar o subsistema de proteção hídrica ao Sistema Nacional de Áreas Protegidas (essa pergunta foi avaliada pelos movimentos indígenas como uma manobra para diminuir o controle e fiscalização das populações originárias em relação aos temas ambientais. No Equador, cerca de 8% do território nacional está concessionado para as grandes mineradoras, 653 mil hectares se concentram em territórios indígenas);
8) Compensação monetária por serviços ambientais (significaria mercantilizar ainda mais os recursos naturais de forma a beneficiar o extrativismo predatório patrocinado pelas grandes mineradoras).
Apesar do formato democrático de consulta popular, o objetivo das perguntas era justamente reformar a Constituição equatoriana para alcançar uma maior centralização do poder e controle das instituições de fiscalização e controle públicos. Além de restringir a participação popular, nos casos da diminuição da quantidade de representantes parlamentares e da votação popular para o Conselho de Participação Cidadã e Controle Social. Ou seja, reformas autocráticas da Constituição para facilitar ainda mais a implementação do ultraliberalismo do magnata em favor da atividade das grandes empresas estrangeiras e para tanto se faz necessário restringir ou mesmo acabar com os elementos da democracia participativa.
Ante tal ofensiva autocrática de Lasso, que já havia desencadeado uma brutal repressão contra os movimentos sociais no levante de junho do ano passado, houve uma vitoriosa campanha popular pelo voto NÃO na Consulta Popular. Participaram organizações dos movimentos indígenas como a CONAIE – Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador, FEINE – Federação Equatoriana dos Indígenas Evangélicos, FENOCIN – Confederação Nacional das Organizações Camponesas Indígenas e Negras, além de organizações sociais, democráticas e de esquerda, sindicatos, lideranças políticas do partido Revolução Cidadã e do partido Pachakutik.
A campanha pelo NÃO foi “Vote 8 vezes NÃO!!!”. A consulta foi identificada como uma grande trapaça de Lasso para concentrar poderes. A apuração foi taxativa e a resposta foi um rotundo NÃO ! Todas as 8 perguntas foram repudiadas pelo voto popular. Mas a derrota do magnata não ficou aí. Ocorreram também as eleições regionais (provinciais) e municipais (alcadías) na qual também a direita e o governo foram expressamente derrotados.
Vitória do movimento liderado por Rafael Correa nas principais províncias e maiores cidades do país
O movimento político liderado pelo ex-Presidente, Rafael Correa, denominado Movimento Revolução Cidadã-RC, foi o grande vitorioso nas eleições provinciais e municipais, neste domingo. Uma inacreditável vitória depois de 6 anos de perseguições, prisões, exílios, cassação do partido em eleições anteriores e de lideranças, além de uma campanha midiática gigantesca anticorreísta, bem semelhante ao antipetismo brasileiro, baseado no sequestro da bandeira “anticorrupção” que serviu para proteger corruptos e impulsionar o neoliberalismo.
A ofensiva policial-jurídica com caráter de lawfare, iniciada no governo do ex-Presidente Lênin Moreno, após sua guinada neoliberal e ruptura com o correísmo, foi apoiada pela grande mídia e a velha direita, produzindo um ambiente de perseguição policialesca que condenou o ex-Vice Presidente de Correa e depois Vice de Moreno, Jorge Glas a 6 anos de prisão e imposição do exílio ao ex-Presidente (para também não acabar na prisão), além de retirar seus direitos políticos.
Votaram 80,74% dos mais de 13 milhões de eleitores. O triunfo de RC ocorreu para os governos em 9 das 23 províncias (Estados), destacando-se a vitória em Pichincha e Guayas, as duas mais importantes em população e economia. Além da vitória nas duas maiores cidades do país, a Capital, Quito, e Guayaquil.
O correísmo ganhou um total 61 prefeituras. A mais simbólica vitória foi na cidade Guayaquil, capital da província de Guayas, que eram controladas pelo velho partido das oligarquias, Partido Social Cristão, há mais de 30 anos. O conhecido chefe e oligarca do PSC, Jaime Nebot, foi prefeito de Guayaquil por 4 gestões.
O segundo lugar alcançou o Partido Pachakutik, ganhando o governo de 6 províncias e 5 prefeituras. Em terceiro lugar, ficou o PSC, com 2 províncias e 32 prefeituras. O partido de Lasso, o CREO, não ganhou nenhum governo de província. Tal resultado repõe o Equador numa rota mais à esquerda, seguindo os novos ventos da América do Sul. A cabeça de Lasso agora está por um triz.