Esquerda aumenta pressão sobre Macron com ameaça de destituição

Dirigentes da França Insubmissa ameaçam recorrer ao mecanismo constitucional de destituição do Presidente da República caso este não siga a “tradição republicana” e se recuse a nomear Lucie Castets como primeira-ministra.

Numa tribuna publicada este domingo, oito dirigentes da França Insubmissa - entre os quais o líder histórico Jean-Luc Mélenchon, o coordenador Manuel Bompard e a líder parlamentar Mathilde Panot - deixaram um “aviso solene” a Emmanuel Macron no início de uma semana que se espera decisiva para a formação de um governo. Além de impor um adiamento da decisão, justificando-o com a realização dos Jogos Olímpicos em Paris, Macron não esconde o desejo de nomear para a chefia do governo alguém que não se reveja no programa do bloco mais votado nas eleições de junho. Para o dia 23 de agosto está prevista uma ronda de audiências do Presidente com os vários partidos parlamentares em que a Nova Frente Popular irá propor a nomeação imediata de Lucie Castets, a economista que gere as finanças da capital francesa e foi indicada pelo Partido Socialista.

“O Presidente deve aceitar o resultado da votação legislativa e nomear Lucie Castets como primeira-ministra, tal como proposto pela Nova Frente Popular. Se não o fizer, deve saber que serão utilizados todos os meios constitucionais para o destituir, em vez de nos sujeitar à sua péssima jogada contra a regra básica da democracia: em França, o único soberano é o voto popular!”, concluem os dirigentes insubmissos na sua tribuna.

Em causa está o recurso ao artigo 68º da Constituição francesa, que desde a revisão de 2007 e da lei orgânica de 2014 prevê uma forma de destituir o presidente “em caso de violação dos seus deveres que seja manifestamente incompatível com o exercício do seu mandato”. Até agora o mecanismo nunca foi invocado e as suas condições foram propositadamente delineadas para dificultar a sua aplicação. Para os insubmissos, o facto de o Presidente ignorar o resultado das eleições legislativas, afirmando que ninguém as ganhou quando na eleição anterior empossou de imediato o bloco mais votado - que o apoiava - em condições semelhantes, é motivo suficiente para estrear o mecanismo.

Se a ameaça se concretizar, o primeiro passo é fazê-la passar pelo gabinete da Assembleia, onde a Nova Frente Popular tem maioria. O segundo é conseguir o apoio de dois terços dos deputados para aprovarem a convocatória de reunião de um Alto Tribunal. O terceiro é conseguir o mesmo apoio entre os membros do Senado francês. Por fim, esse Tribunal, composto por 22 elementos escolhidos pelos gabinetes da Assembleia e Senado, teria de se pronunciar por voto secreto e também com maioria de dois terços a favor da destituição.

Além da manobra de pressão sobre o Eliseu nesta semana decisiva, a intenção da França Insubmissa é também a de provocar a clarificação política da direita dos Republicanos, que apesar do discurso de demarcação face ao bloco macronista fez os acordos de bastidores que levaram à reeleição da atual presidente do Parlamento, Yael Braun-Pivet. Mas primeiro será preciso ultrapassar a primeira etapa, a de convencer os parceiros da Nova Frente Popular.

Tal não parece tarefa fácil, a julgar pela reação imediata do líder socialista Olivier Faure, a lembrar que a iniciativa só vincula os seus autores. “A resposta à nomeação de um Primeiro-Ministro que não esteja em conformidade com a tradição republicana é a censura”, escreveu Faure no X.

Em declarações ao Mediapart, a líder dos Ecologistas, Marine Tondelier, diz que “cada um reage à sua maneira, não é preciso dramatizar. No que diz respeito aos ecologistas, estamos a dedicar toda a nossa energia a assegurar que Lucie Castets seja nomeada o mais rapidamente possível”.