Na democracia deserta da Itália, Georgia Meloni da extrema direita emergiu vitoriosa

A eleição italiana de ontem deu a vitória para o partido de Giorgia Meloni, de extrema direita, o Fratelli d’Itália - em recorde de baixa participação. A oposição entre tecnocratas e a extrema direita é um sintoma de um declínio ainda mais profundo.

foto: Antonio Masiello

David Broder*

 

O resultado da eleição italiana é outra revelação da extrema direita e outro indicador da radicalização da direita. A coalização da ala de direita teve um resultado de 44%, mas a grande ganhadora foi uma parte dela: Giogia Meloni do Fratelli d’Italia, que com seus 26% cresceram em cima dos seus 4% que teve em 2018.

Os aliados de Meloni tiveram uma performasse débil. No caso do Silvio Berlusconi (Forza Itália) que obteve 8%, já era esperado. No entanto, a Lega, liderada por Matteo Salvini (9%) - que foi somente há alguns anos a estrela em ascensão das políticas anti-imigrantes – caiu bem abaixo das pesquisas eleitorais e se saiu maio mesmo nas suas antigas terras do norte.

Parte do sucesso atribuído a Meloni recai no sentimento de que ela é “outsider” - ou pelo menos, ela se utilizou desse discurso para conquistar o eleitorado da ala de direita. O Fratelli d’Italia foi o único dos três partidos da ala de direita a não entrar no governo de “unidade nacional” de Mario Draghi em fevereiro de 2021; durante os últimos dezoito meses ela conseguiu cominar o respeito externo a Draghi com a promessa de que somente ela poderia liderar um governo diretamente escolhido pelos italianos.

No entanto, esse resultado, incluindo a performance diminuta do que se passa como sendo de esquerda, é também produto da desertificação do campo político. Enquanto o partido de Meloni tem laços definitivos com a tradição neofascista, seu sucesso também se deve também a um fenômeno distinto da pós-modernidade, que vem nas últimas três décadas dominando cada vez a vida pública italiana: a redução de um horizonte político de alternativa entre a resolução tecnocrata para a crise e a solução de extrema direita e reacionária tanto nas políticas econômicas quanto nos direitos civis.

A severidade dessa escolha também é visível pelo não envolvimento das grandes massas populares no processo eleitoral. A democracia italiana nas décadas do pós-guerra era baseada nos partidos de massa com milhões de membros; até os anos 1980 a participação eleitoral constantemente aparecia acima de 90%. Na eleição de ontem, foi abaixo de 64%, com grande abstenção do Sul e (julgando por disputas semelhantes anteriores) entre a classe trabalhadora e jovem italiana no geral.

Nisso, os oponentes de Meloni tem grave responsabilidade. Parte disso recai na chamada lei eleitoral Rosatellumaprovada em 2017 (garantindo um maior número de cadeiras a maior coalisão eleitoral, mesmo essa não tendo a maioria dos votos). Somado a isso também há o fracasso de formação de uma coalisão alternativa abrangente e radical que poderia ter feito essa eleição competitiva.

Mas o resultado decepcionante dos supostos partidos progressistas, dos liberais Europeanist Democrats (19%), ao Movimento Cinco Estrelas (15%) - são também sintoma de décadas de diminuição da conexão entre a classe trabalhadora, os políticos de esquerda e até da participação democrática em si.

Para ilustrar, nesse caso, temos a rápida ascensão e queda do Cinco Estrelas. O grande vencedor das eleições de 2018, ganhou a eleição com 32% de apoio através da promessa de colocar os italianos de volta no controle do processo democrático. Em vez disso, se mostrou eclético e não confiável, formando uma coalisão em um primeiro momento com o Lega de extrema direita, depois com os Democratas de centro, além desses dois ainda mais com Draghi. Isso tudo expos suas contradições internas e fez cair os números para ínfimos na pesquisa eleitoral. Enquanto o foco do líder Giuseppe Conte nos programas sociais na campanha de 2022 resultou em uma pequena volta por cima, ainda assim se manteve abaixo da metade de votos que fez em 2018.

Em diversos países europeus conseguimos observar que os históricos partidos de centro esquerda não têm sido mais capazes de mobilizar as suas bases a partir somente do medo da direita. Isso, como no caso italiano, enquanto os partidos de extrema direita combinaram uma postura reacionária sob as questões do direto civil com uma política econômica agressiva como, por exemplo, introduzir uma taxa de imposto de renda fixa e se livrar de benefícios para os desempregados. A Itália é uma terra de grande trabalho e histórico antifascista. O apelo de último momento a essa tradição, para barrar Meloni nos portões da vitória, pode mobilizar apenas um setor muito minoritário. 

 

Campanha Desanimadora:

No dia em que campanha para a eleição da Itália fo lançada, eu publiquei um artigo de opinião intitulado “The Future Is Italy, and It’s Bleak” (O futuro é a Itália, e é sombrio). Ele coloca a Itália – como venho feito aqui – como uma país preso em uma estagnação permanente e com um estreitamento dos horizontes políticos entre tecnocratas e extrema direita “outsider”. É digo isto não porque a italia é estranha, mas porque representa uma ampla tendência no Ocidente, uma era de democracia oca e crise permanente.

Na mídia italiana, a minha menção sobre as raízes neofascistas do Fratelli d’Italia foi amplamente vista como evidencia do medo dos EUA em relação a Meloni. Apesar de seu histórico de campanha para partidos estrangeiros como o espanhol Vox, Meloni acusou três vezes meu artigo como interferência estrangeira; seu dedicado colega Ignazio La Russa afirmou ter reunido “diversas evidencias” que esse artigo de opinião era um produto de uma “conspiração para prejudicar a Itália”. Alguns comentários na internet inclusive se preocuparam com a mão do Departamento de Estado.

Certamente a maior parte da cobertura midiática contou uma história um tanto diferente. Com a vitória da coalisão da ala de direita quase garantida desde o início da campanha, muitos comentadores colocaram seu foco na personalidade carismática de Meloni, habilidades de liderança, e rompimento com o passado fascista. Tais comentadores pareciam ter dificuldade em lidar com sua repetida defesa da “teoria da grande substituição” - que é literalmente a reivindicação de que a esquerda, em conspiração com os “usurers”, planeja a destruição da civilização Ocidental.

Como o Fabio Chiusi apontou, a cobertura mais bajuladora da última estrela em ascensão era um típico “milagre daqueles que narram a política italiana: quão mais perto ela chega do escritório do primeiro-ministro, mais moderada ela fica”. Esse efeito também atraiu membros de outros partidos mais de centro direita para dentro de seu campo, e ganhou comentários indulgentes até mesmo de Hilary Clinton.

Muitas vezes os apoiadores de Meloni parecem pensar que ela necessita congratulações por ter se distanciado de ditaduras fascistas e antissemitas. No entanto, a insistência de que ela respeita o processo eleitoral é muito rasa. O risco de um governo do Fratelli d’Italia não é o fim da democracia, mas uma deterioração do sistema público, dessa vez nas mãos de um partido que sempre desprezou a república criada por partidos antifascistas pós-guerra.

Isso provavelmente tomará diversa formas: minando os gastos sociais, reescrevendo a constituição, e usando do poder de governar para ridicularizar aqueles que lutaram na resistência na Segunda Guerra Mundial. De fato, parece que quanto mais medíocre for o resultado do mandato de Meloni, maior será a necessidade de se apoiar nas pautas identitárias, desde apelos a um “bloqueio naval” no Mediterrâneo até o movimento contra “lobbies LGBT” e “ideologia de gênero”.

Tais obsessões tem raízes no fascismo, mas também pertence a uma agenda nativista mais ampla, representada também por figuras de diversas tradições como Viktor Orban e Donald Trump. Nesse sentido, o portador da velha chama neofascista não é um retorno ao passado, mas um arauto de algo bastante novo.

 

*David Broder é editor da Jacobin Europa, além de ser historiador do movimento comunista francês e italiano. Esse texto foi originalmente publicado na Jacobin Magazine. Disponível em https://jacobin.com/2022/09/italy-elections-far-right-meloni-democracy