Pedro Castillo é um preso político

Entrevista com Wilfredo Robles Rivera

Por Nathália Urban e Karla Burgoa

Traduzido para o português por Hugo Albuquerque para a Jacobin Brasil

 

Presidente peruano foi deposto sem direito à defesa e está detido há seis meses. O governo de sua vice, articulado dentro da embaixada dos Estados Unidos, é marcado pela repressão contra manifestantes, conforme denuncia a própria ONU. Nesse cenário explosivo, a oligarquia peruana aprovou a entrada de tropas norte-americanas no país.

 

Pedro Castillo foi eleito presidente em meados de 2021 em uma disputa apertada contra Keiko Fujimori. Professor e líder sindical em uma província rural no norte do Peru, Castillo tem inequívoca descendência indígena e foi eleito por um partido de esquerda. Por essas razões, ele era o antônimo do que a oligarquia da capital do país, Lima, esperava de um presidente em um região marcada por um profundo racismo anti-indígena, neoliberalismo radical e uma grande desigualdade regional.

Depois de mais de um ano sob cerco e sabotagem, seu governo foi travado por uma oposição no Congresso disposta, a todo custo, derrubá-lo. Sem experiência e isolado, Castillo tardou a iniciar um enfrentamento contra os parlamentares golpistas e acabou, ele próprio, sendo deposto de maneira irregular em dezembro do ano passado, sem direito à ampla defesa, sob a declaração de que a presidência estava vaga – um expediente idêntico ao usado para legitimar o golpe militar brasileiro em 1964.

Desde então, a vice de Castillo, Dina Boluarte, assumiu a presidência depois de um acordo com as potências internacionais e a oligarquia do país. Castillo, por sua vez, permanece preso desde então, enquanto manifestações sacodem o país, sendo violentamente reprimidas – de uma forma muito parecida com o que houve com a Bolívia após o golpe de 2019. Novamente, é o movimento indígena a vanguarda dessa luta.

Por essa razão, a Jacobin Brasil em parceria com o canal 247, por meio de Karla Burgoa e Nathalia Urban, profundas conhecedoras de América Latina, ouviu Wilfredo Robles, advogado de Pedro Castillo e especialista na defesa de militantes políticos, o qual relata ao público brasileiro a situação do presidente deposto na prisão, os abusos cometidos pelo governo usurpador, a chegada de tropas dos Estados Unidos ao país e o papel conivente da Organização dos Estados Americanos (OEA) em contraste com as denúncias da Organização das Nações Unidas (ONU).

KB/NU - Doutor Robles, gostaríamos de saber qual é a situação jurídica do presidente Pedro Castillo neste momento. Há alguma esperança que ele saia da prisão? Como está a situação política atual no Peru?

WR - O presidente Pedro Castillo foi vítima de um golpe de Estado e de uma prisão ilegal – que é produto da perseguição feita pelo governo ditatorial que surgiu após sua fraudulenta deposição.

Na queda do presidente Castillo, ocorrida em 7 de dezembro, os partidos representados no Parlamento, tanto de direita quanto da assim chamada esquerda, formaram uma coalizão para derrubar o governo e, assim, nomear e sustentar no poder a vice-presidenta Dina Boluarte. Eles formaram uma aliança para controlar todas as instituições, concedendo benefícios às empresas multinacionais, que desejavam renovar contratos de exploração dos nossos recursos naturais.

Ocorre que, neste ano, se completam 30 anos da Constituição de Alberto Fujimori, a qual permitiu contratos muito vantajosos para as empresas multinacionais extraírem nossos recursos naturais. A duração de tais contratos era, por força da Constituição, de 30 anos que agora estão terminando.

 

KB/NU - E como estão os protestos contra o regime de Dina Boluarte? Há muita violência nas ruas?

WR - Bem, no dia 7 de dezembro, quando o presidente Castillo foi derrubado, se produziu um levante popular para reivindicar a vontade do povo, sobretudo por parte dos camponeses das montanhas do sul do Peru. Eles consideram que a classe política não respeitou o resultado das eleições de 2021. Eles se sentem enganados e, por isso, exigem que o presidente legítimo, Pedro Castillo, seja libertado e restituído no seu cargo.

Esses protestos duraram de dezembro até março de 2023. Mas refluiu e segue em menor volume. Para esse mês de julho, estão convocando uma nova onda de protestos, uma vez que nessa data se recordará a greve nacional de 1978, que foi fundamental para derrubar a ditadura do general Morales Bermúdez.

No mais, em julho é o aniversário da República do Peru. Então, a usurpadora Dina Boluarte deve enviar uma mensagem em 28 de julho – como se fosse a presidenta constitucional. A população rechaça sua presença no cargo e não está disposta a aceitar que ela continue a usurpação.

 

KB/NU - Como se desenvolve a relação do governo golpista com o resto da América Latina, especialmente com o ex-presidente boliviano Evo Morales?

WR - O governo usurpador e golpista de Dina Boluarte, que é sustentado por toda a direita, é muito hostil e agressivo com o ex-presidente e líder social Evo Morales. É muito notório o que ela tem feito por meio da imprensa concentrada na capital, Lima.

Ela está sempre fazendo campanhas contra o presidente Morales e, inclusive, decretou que ele está proibido de pisar em solo peruano – apenas pelo fato de que havia uma proposta de que a Unasul se reunisse em Cusco, uma cidade que tem uma grande simbologia não apenas para o Peru, mas para todos os países andinos, que foi o centro do poder dos incas. Evo foi considerado uma ameaça à segurança nacional.

Evo sempre mostra preocupação pelo que se passa no Peru. Pois eles viveram algo parecido na Bolívia, com as policiais e as Forças Armadas se convertendo em uma espécie de legião de fascistas que executaram dezenas de camponeses, todos eles indígenas aimarás e quéchuas. Além de terem torturado outros tantos – deixando mais de mil feridos, aos quais era impedido assistência médica. Milhares de detenções arbitrárias ocorreram na Universidade Nacional de San Marcos, utilizando veículos blindados. Nada disso geraria inveja nas ditaduras militares de Chile, Argentina ou mesmo Brasil. É em relação a isso que o presidente Evo tem demonstrado preocupação, sendo denunciado penalmente por parte de congressistas peruanos ultradireitistas.

 

KB/NU - Que tipo de ingerência exerce, atualmente, os Estados Unidos no Peru?

WR - Atualmente, estamos vivendo o período de maior ingerência norte-americana no Peru. A influência de Washington surgiu no país como em todos os outros lugares da América do Sul, sobretudo após a Primeira Guerra Mundial. No Peru, isso coincide com a presidência de Augusto Leguía, que governou o país primeiro de 1908 a 1912 e, depois, de 1919 a 1930 – nesse segundo período foi quando começou a adaptação para que o Peru pudesse se alinhar aos interesses da nova potência dominante.

Ao longo de nossa história, a partir daquele momento, os Estados Unidos sempre influíram na definição de nossas fronteiras, na nossa política interna, mas nunca como neste momento. Há versões de que nos dias anteriores ao golpe de Estado, Dina Boluarte e vários parlamentares, chefes militares e pessoas notáveis da política de Lima visitaram a Embaixada dos Estados Unidos para realizar reuniões de coordenação.

Então, não seria exagerado suspeitar que o golpe contra Pedro Castillo foi coordenado na Embaixada dos Estados Unidos com praticamente toda a casta política e militar. E logo após isso, o primeiro país que saúda o governo usurpador de Dina Boluarte foi o governo dos Estados Unidos e, imediatamente, a OEA, que notoriamente caminha sob a influência de Washington sob a presidência de Luis Almagro.

A própria Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu um pronunciamento no dia seguinte ao golpe, respaldando a usurpadora Dina Boluarte, afirmando que Pedro Castillo rompeu a ordem constitucional – reconhecendo-a, semanas depois, como presidenta legítima, embora não tenha havido sequer direito de defesa para Castillo no processo.

É notório, ainda, que os Estados Unidos, para fortalecer o governo de Dina Boluarte, entregou Alejandro Toledo, ex-presidente do Peru, que se encontrava nos Estados Unidos embora houvesse um pedido de extradição contra ele.

Esse contexto se completa com a intervenção militar dos Estados Unidos. Isso, não resta dúvida, vem fortalecendo o governo de Dina Boluarte que aprovou, junto do Congresso peruano, a entrada de tropas estadunidenses. E elas ficarão estacionadas no Peru por ao menos seis meses. Não foi sequer determinado limite legal para essas tropas, apenas foi anunciado que seriam 700 soldados. Mas não há limite, ou seja, elas podem aumentar a cada semana e depois de encerrado esse período, pode ser estendido por mais seis meses e assim por diante, porque, até onde sei, não há nenhuma situação que tenha ocorrido no mundo em que os Estados Unidos enviem suas tropas para algum lugar por seis meses e se retirem.

E, de fato, isso não só tem a ver com o apoio a Dina Boluarte, mas também expressa a geopolítica dos Estados Unidos que, aparentemente, quer conceder ao território peruano um papel estratégico de ponte, para que daqui possa operar militarmente contra qualquer um dos países sul-americanos. Isso é notório.

 

KB/NU - Como está o presidente Castillo na prisão? Está sendo respeitado? Você tem alguma mensagem para nós?

WR - O presidente Pedro Castillo está sofrendo um tratamento humilhante e degradante na prisão. Ele foi encarcerado na mesma prisão onde o ex-ditador Alberto Fujimori está cumprindo sua pena. No entanto, enquanto Fujimori tem um telefone à sua disposição para fazer as ligações que desejar, Castillo não pode se comunicar por telefone desde 7 de dezembro, quando foi preso. E isso ocorre mesmo com seus filhos e sua esposa fora do país, uma vez que tiveram de fugir para o México devido à perigosa situação.

Ele também está proibido de se comunicar por telefone com seus pais, que já são muito idosos e não podem vir do norte do país, onde moram [NT: Lima fica no sul, a quase mil quilômetros de distância da província natal de Castillo]. Da mesma forma, enquanto Alberto Fujimori tem uma ambulância para ser evacuado para as clínicas mais especializadas de Lima quando sente algum desconforto, Pedro Castillo muitas vezes não pode receber médicos particulares para examiná-lo. Recentemente, apareceu em uma conta que está em seu nome saudando os dirigentes e a todos os participantes da cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) na Argentina e por isso foi punido e não pode mais receber visitas.

Pedro Castillo é assediado na televisão. A direita envia drones para espionar onde ele está preso. Isso serviu de pretexto para as autoridades prisionais taparem todo o pátio que ele tem acesso com uma malha, que bloqueia a luz do sol, o que torna o confinamento mais pesado ainda.

 

KB/NU - O que o Brasil, especialmente o presidente Lula, pode fazer para ajudar o Peru? Neste momento?

WR - O presidente Castillo está sempre preocupado com a posição dos partidos de esquerda no Brasil, das organizações sindicais e, acima de tudo, ele sempre pergunta muito sobre o camarada Luiz Inácio Lula da Silva, a quem saúda – e esperamos que esta saudação chegue até ele.

Temos informado ao presidente Castillo sobre certas expressões de solidariedade que começamos a receber do povo brasileiro – e que também fortalece a ele e aos camponeses mobilizados. A população daqui também recebe isso com muito carinho. A ação direta do povo e a solidariedade dos povos da América do Sul é fundamental – e nisso é indispensável o povo brasileiro.

No mais, o Brasil viveu avanços em matéria de direitos humanos. Portanto, seria muito importante um pronunciamento do Partido dos Trabalhadores (PT), dos movimentos sociais, do campesinato, dos sindicatos e, também, do presidente Lula como presidente sobre as violações sistemáticas dos direitos humanos que está passando o Peru. Igualmente, é fundamental pautar na CELAC a questão peruana.

Não podemos aceitar que coisas como o golpe no Peru voltem a se repetir. Trata-se de um modelo idealizado pelos Estados Unidos e não se pode aceitar que continue a ser aplicado nos países da América do Sul. Então, é importante que a CELAC adote uma posição firme, resoluta. E aí a voz do presidente Lula, que representa a nação brasileira, é sumamente importante.

 

KB/NU - Como está a posição da mídia peruana em relação à prisão do presidente, estão todos contra ele e seus seguidores?

WR - As grandes empresas de comunicação sempre estiveram contra o presidente Castillo, operando no golpe – assim como fizeram uma campanha para derrubar o presidente durante todo o seu governo, sem nunca terem poupado ele por um só dia nos jornais, emissoras de rádio e canais de televisão.

Hoje, parece que o presidente Castillo não saiu do governo. Ele segue sendo o alvo dos ataques da mídia. O ataque se deve ao óbvio motivo de que o presidente não deu às corporações de mídia os contratos publicitários milionários que elas esperavam – e estavam acostumadas a receber.

Isso fez com que Castillo se convertesse em um inimigo da mídia – e ela se tornou por conta disso em um aparato de propaganda de oposição não só ao presidente como, hoje, também contra o povo que se insurgiu contra a ditadura. A mídia assumiu um papel de instigador da repressão, contra a população mobilizada, qualificando-a de vândala e terrorista.

Assim, a mídia clama para que os militares e policiais usem toda a força possível contra os manifestantes. Agora que também se anuncia a chegada de tropas dos Estados Unidos ao Peru, seguramente a mídia peruana também será um aparato de propaganda dessa futura ocupação americana, pois é isso: vamos nos converter em um país ocupado por forças estadunidenses e com um governo títere.

 

KB/NU - O que dizem os organismos internacionais de direitos humanos sobre a situação peruana, incluído aí a prisão de Pedro Castillo? Há alguma mobilização internacional para ajudar as vítimas da repressão?

WR - O primeiro organismo internacional que se pronunciou frente à situação peruana foi o Comitê de Direitos Humanos da ONU. Ele mostrou preocupação, pois o Estado peruano não está investigando com rapidez e eficácia os autores das execuções extrajudiciais ocorridas no contexto da repressão. O Comitê chamou a atenção para os ataques às universidades, hostilidades contra os manifestantes, pelo uso abusivo do tipo penal de “terrorismo” contra eles e, também, mostrou preocupação pela forma irregular como o Congresso declarou vaga a presidência – isto é, a maneira como ocorreu o processo de deposição do presidente.

Posteriormente, foi emitido um informe da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA). Esse último informe coincide em parte com o do Comitê de Direitos Humanos da ONU, pois também denuncia as matanças e diz que houve massacre, mas por outro lado respaldou o governo de Dina Boluarte como se fosse legítimo. Aliás, a CIDH tem protegido a procuradora Patrícia Benevides, uma procuradora que tem atuado a favor da ditadura, afirmando que ela corre perigo, mas ao mesmo tempo se nega a dar proteção ao presidente Castillo – e tampouco toma medidas de proteção para as famílias de campesinos assassinados, que estão sendo intimidadas, sendo alvo de constante ameaça e perseguição.

Portanto, estamos diante de uma notória parcialidade da CIDH que, no fim das contas é parte da OEA. Esperamos por uma missão da ONU e, bem, não confiamos na OEA. Por isso pedimos o posicionamento da CELAC para que haja um acordo para algum tipo de investigação, pois as coisas não podem ficar por isso mesmo.